«Boa é a vida, mas melhor é o vinho…» (Fernando Pessoa).

Caros Irmãos, como já é tradição, todos os anos faço o Sermão de São Martinho, em homenagem a este Santo padroeiro do Fundão e ao Senhor Vinho, a quem muitos chamam o néctar dos deuses. Este costume iniciou-se há anos no púlpito da Adega do amigo Felisberto de Aldeia Nova do Cabo, na presença de muitos devotos.
Nesta pregação, recordo os grandes oradores eclesiásticos que antigamente não molhavam o bico sem utilizar primeiro uma frase pomposa em latim, que ninguém entendia, mas ficava bem na liturgia da palavra. Escolhi uma em Português, que retirei do grande Poeta do Desassossego. Inúmeras citações poderiam ser inseridas.
Caros irmãos, não podia deixar de vos falar deste Santo de origem húngara, que foi soldado romano ao serviço do seu Imperador. Tinha sido destacado para as terras da Gália (paisagens de Obélix e Astérix), quando encontrou um homem seminu e enregelado. O soldado Martinho, ao ver este cidadão, rasgou metade da sua capa militar e entregou-a ao necessitado. No seguimento deste gesto, teve uma visão e ouviu uma voz do além: «Sempre que fizeres bem aos mais pequeninos dos teus irmãos, é a mim que o fazes.» Perante tamanha aparição, abandonou o serviço militar e converteu-se ao cristianismo, sendo baptizado por São Hilário em Poiters e dedicando-se totalmente à prática da caridade. Trinta anos depois, foi nomeado Bispo de Tours e, graças à sua santidade, no cortejo fúnebre teve mais de sessenta quilómetros de extensão. O povo nunca mais o esqueceu, hoje é o padroeiro dos magustos e o seu dia assinala a prova do vinho novo.
Caros Irmãos, este ano as condições climatéricas foram muito favoráveis à vinha. Assim, vamos ter bom vinho à mesa da nossa comunhão com familiares e amigos.
Segundo o enólogo da Adega Cooperativa do Fundão, o vinho é límpido com tons violáceos e apresenta-se com uma cor rubi intensa. Quanto ao aroma, é maravilhoso e pujante com boas notas na qualidade.
Caros Irmãos, a produção deste ano vai em milhões de litros. Além do consumo nacional obrigatório, a exportação líquida promete embriagar os povos do Brasil, da Polónia, da França, da Alemanha e da Suíça e até aos confins da China. Se é verdade que o vinho desequilibra as emoções, não é menos verdade que equilibra a nossa balança comercial.
Caros irmãos, convido-vos a beber e saborear um bom copo de vinho. Poucas coisas na vida são tão nobres como levantar um copo de vinho à saúde dos amigos. Um bom vinho alegra qualquer petisco enfarruscado e é o melhor antídoto anticrise porque aproxima os homens.
Caros Irmãos, no dia 11 de Novembro de cada ano litúrgico, festejamos o São Martinho de Tours, mas no primeiro domingo deste mês também celebramos a festa em memória de um homónimo do Santo – o São Martinho de Porres – um mestiço, de meã estatura, considerado indigno, que foi professor da ordem dominicana em Lima, no Perú. É o único santo representado com uma vassoura na mão, Frei Escova era a sua alcunha, talvez por prestar os serviços mais insignificantes na Ordem Monástica.
Também ele partilhava com os pobres os seus bens e cuidava dos doentes e abandonados. Quando foi chamado à atenção pelos superiores, disse-lhes que «o preceito da obediência não se sobrepõe à caridade».
Caros Irmãos, façamos apelo às hierarquias eclesiásticas, aos cristãos mais abonados, para que partilhem os seus mantos dourados com os mais pobres e logo colocaremos a seus pés um garrafão de bom vinho português como sinal de agradecimento.
Caros Irmãos, bebam bom vinho, de preferência do Fundão, faz bem ao coração quando ingerido sem coação.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
Leio, com agrado, as crónicas de António Alves Fernandes pois, todas elas comportam nobres lições de vida que importa reter. Esta do “Sermão de S. Martinho-2013”, porém, atinge um elevado grau de beleza literária que não hesito em classificar de excecional. Por essa razão, louvo o seu meritório trabalho artístico e dou-lhe os meus sinceros parabéns!
Obrigado pelas suas palavras.