Por uma vez: uma crónica cheia de emoções. Passado o Verão, é altura de rescaldo. Uma parte deste artigo, hoje bem sentimentalão e muito genuíno e muito sentido, foi rascunhada na cabeça, durante a rápida visita ao Casteleiro em dia de Festa de Santo António. Senti que tinha o dever de seguir este caminho, hoje. O sentimento também faz parte da comunicação. Hoje é dia de manifestar coisas íntimas ao mundo todo. Quem diria que um dia eu dava nisto… Siga o baile, companheiros!
Mas antes, uma explicação sobre a idiossincrasia, o modo de ser médio, meu e das gentes da minha terra. É que a linha de alturas em torno da minha aldeia define a terra, o clima, as culturas, o ambiente natural e a mentalidade das minhas gentes. É assim que se faz uma maneira de ser e de estar. Eu gosto!
Falemos então para começar das linhas de altura. Para início de conversa: a minha terra está mais ou menos ma linha dos 500 metros de altitude. Em redor é tudo serranias com mais 200 a 400 metros de altura. Portanto, o Casteleiro é assim como que uma bacia, um lugar mais abrigadinho, mais quentinho e rodeado de pontos altos: a Serra da Vila, a quase 900 metros de altitude; a Serra d’Opa, a mais de 700; a Serra do Mosteiro, a cerca de 800; e ainda os pequenos montes ali ao redor: o Cabeço Pelado, com pouco mais de 100 metros de altura relativamente ao Casteleiro, e a Serra da Preza, mais ou menos a 150 metros acima do nível médio da minha terra.
Casteleiro, uma concha especial
Uma concha, uma várzea e uma planície aconchegada e aconchegadora – é isso que o Casteleiro é, lá bem no fundo.
A bacia natural assim formada trouxe muitos benefícios (clima, culturas, gado, boa relação e bom espírito em geral), mas também criou um aconchego de isolamento e de solidão dos habitantes da aldeia.
A sugestiva foto do viajante-ciclista-ecologista e amante da nossa região, que descobriu o encanto da Serra d’ Opa por via de artigos meus no ‘Capeia’, José Carlos Callixto, essa foto, dizia, tirada da Serra d’Opa, mostra bem a «concha» que o Casteleiro é, completamente rodeado de montes. Vale a pena ver… (Aqui.)
O isolamento promovido pela Natureza fez das pessoas da minha terra pessoas especiais e diferentes. Eu gosto!
As poucas saídas até aos anos 30 do século XX fez da minha aldeia um caldo de cultura específico. Eu gosto!
Depois, a emigração dos anos 60 fez da minha terra a terra de muitas maneiras de falar, de estar e de conviver. Eu gosto!
Anos maus para a nossa região
Nos anos 90, fora das épocas de visita dos emigrantes e da malta que está ou estava em Lisboa, fez do Casteleiro uma aldeia em extinção.
Não gostei desses anos em que parecia que tudo ia acabar.
Os mais velhos já tinham dificuldade em colher a azeitona. Já não conseguiam cultivar os terrenos. Já falavam só de «quando eu morrer isto acaba tudo».
Nos primeiros anos deste século (2004 e 2005) começaram a agitar-se algumas águas.
Há a certeza de que os emigrantes não vão faltar nunca e por isso as festas deviam ter isso em conta.
– Uns poucos jovens começam a fixar-se por aqui.
– Começam a surgir algumas empresas locais.
– Começam a ser renovadas as casas antigas.
– Foi um raio de luz ao fundo do túnel.
– Nascem algumas crianças.
– Renasce a esperança.
– O Lar começa a ser entendido como estrutura de apoio.
– O serviço domiciliário começa a ser encarado como uma ajuda e não como um sinal de degradação da vida de cada um.
Os emigrantes merecem
Nos últimos anos, melhor ainda. Há animação sistemática e algumas iniciativas que surpreendem. É por isso que digo:
1.º Contrario frontalmente quem disse que o nome do novo recinto (Largo do Emigrante) não devia ser aquele. Devia, sim. Parabéns a quem teve a ideia. E em nome de todos os emigrantes (muitos são meus tios e autorizam-me de certeza a escrever isto: nada os pode alegrar mais do que olhar para a escultura de Augusto Tomás e pensarem que se não fosse aquela porta, o que teria sido das suas vidas e das vidas dos seus filhos? Claro que foi uma porta negra. Claro que foi difícil. Os emigrantes sofreram muito. Mas mesmo muito a atravessar aquelas serranias todas até chegarem a Paris ou Clermont Ferrand. Não há no Casteleiro nenhuma família em que não haja emigrantes. Eu tenho muito orgulho em pertencer a uma família em que há muitos emigrantes – alguns dos quais já nos deixaram. Honra para eles. A iniciativa da autarquia agrada-me muito. tenho de ser sincero: gostei muito. Aceito que haja outras opiniões. Mas no Casteleiro devem ser muito poucas, dada a grande quantidade de emigrantes – que é aliás o que justifica e torna justíssima a homenagem que ali fica para sempre. Bem arrancado!
2.º Ao contrário do que disseram duas ou três vozes, concordo com a missa dos 50 anos do Padre António Diogo incluída na Festa de Santo António. De certeza que o Santo gostou. Eu gostei e achei oportuna a junção dos dois acontecimentos. Aliás a «actuação» de Eugénia Lima veio abrilhantar a festa. Ou não? Quantos padres já teve o Casteleiro que chegassem aos 50 anos de sacerdócio? Bodas de Ouro: uma boa razão para comemorar com o máximo de gente. Portanto, fizeram bem que juntaram as festas. E por que razão não se haviam de juntar? Para o Casteleiro é uma honra ter uma pessoa que já dedicou 50 anos à vida de pároco. Os habitantes de Alcanede, terra que conheço porque fui lá uma vez, há muitos anos, a casa do Padre António, esses, pelos vistos, gostaram. Tanto que até vieram em bom número à missa dos 50 anos da ordenação.
Renovação e animação
Esta é a minha aldeia! A aldeia dos meus neurónios desde criança: cheia de vida e de gente que quer fazer as coisas bem feitas. Depois de muitos anos de uma certa paragem, agora, de há dois ou três anos a esta parte, constato uma renovação muito interessante. Em boa parte porque o entusiasmo tomou conta de uma série de pessoas, cada qual com seu perfil, cada qual com seu modo de ver e de estar – mas todos com um traço comum: adoram o que fazem, gostam da terra, querem melhorar as coisas.
E isso não há dinheiro que pague.
E não estou a falar só das autarquias. Que, aliás, merecem todo o nosso apreço até ver. Bem pelo contrário: há outras equipas que merecem o mesmo respeito e o mesmo apreço da nossa parte, nós que beneficiamos da sua iniciativa e entusiasmo.
A equipa que dirige o lar e o entusiasmo e rigor com afecto e com muita amizade que soube transmitir à equipa profissional são um segredo dos maiores da minha aldeia. Que nunca as mãos lhes doam, meus amigos.
A equipa que está no Centro de Animação Cultural, «idem-idem, aspas-aspas» como se costuma dizer.
E mesmo o Clube de Caça e Pesca, com alguma intermitência, mas quando agarra as coisas tem feito um bom lugar – hoje muito apoiada na Junta de Freguesia, que não falha uma.
As sucessivas comissões de mordomos da Festa de Santo António, essas então… nem há palavras para referir o seu entusiasmo em não deixar morrer esta tradição – bem pelo contrário: em cada ano que passa, há mais e mais para oferecer aos casteleirenses e aos visitantes.
Meus caros conterrâneos membros destas várias equipas, a todos vocês, em nome da minha mãe e das suas amigas do lar, em nome de todos os que comigo concordam – e sei de certeza que são a maioria, a esmagadora maioria dos nossos habitantes quer do Lar quer destas ruas meio desertas e também dos seus familiares, lá longe, seja na região de Lisboa seja na França ou alhures… em nome de todos, apenas uma palavra, mas muito, muito sentida e muito, muito grande: O-briga-dos! A-gra-de-ce-mos! A todos vocês. Não parem, nunca! Por favor!
Notas
1 – Há lá terra mais bonita do que esta que permite ao nosso conterrâneo por adopção paterna José Manuel Machado fazer uma tal foto da igreja à noite com a lua branca em céu negro?
2 – Não deixe de aceder a outro noticiário regional: o ‘Serra d’Opa’ n.º 3 já está na linha à sua espera. Basta clicar… (Aqui.)
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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