No feriado de Santo António em Lisboa, que estava deserta, decidi ir até à Avenida da República, só para confirmar o número do prédio, em cujo rés-do-chão se situava uma pastelaria, ou cafetaria, prédio esse na esquina da Avenida Miguel Bombarda com a Avenida da República, esquina para o estilo oval, com portas em forma de arco. Verifiquei o n.º 37 do lado da Avenida. Já não pude averiguar o nome da Cafetaria, lá instalada há mais de cinquenta anos.
O interesse vinha de me ocorrer à memória um nosso compatrício, com quem, por vezes, adregava de partilhar uma tertúlia que ele, residente na Avenida da República, mantinha com pessoas das suas relações naquele estabelecimento.
Aludo ao Dr. Manuel Carlos Martins, nascido em Pousafoles (1892), mas que cresceu nos Forcalhos, de onde a sua família era originária.
Licenciou-se em Letras e Direito na Universidade de Coimbra, em 1917, exerceu advocacia e ensino, mas preferiu a carreira docente. Aliás, a sua tese de licenciatura (1918) teve por tema «Do Método Literário nos Liceus».
Ainda estudante liceal na Guarda, fundou o jornalinho «O Egitaniense», de parceria com Emídio Faria e José Carvalho dos Santos, este de Almeida, republicano, creio que irmão do socialista Teófilo Carvalho dos Santos e, portanto, tio dos filósofos Orlando Vitorino e António Telmo, já falecidos.
Na Guarda, em 1939/40, dirigiu o Inquérito Etnográfico que o Governo mandou efectuar em todos os distritos, visando sobretudo os costumes rurais. Os responsáveis pelo Inquérito foram, além dele, o escritor e novelista minhoto Manuel de Boaventura (que era Director Escolar na Guarda) e o etnógrafo José Franco, funcionário público e músico, autor da marcha «Quadrazenha».
Fixou-se mais tarde em Lisboa, como professor do Liceu Camões, em cuja qualidade se reformou. A minha geração aprendeu Francês pelo seu livro «Elementos de Gramática Francesa» (1950) tendo ainda publicado uns «Exercícios de Gramática Francesa» (1951) para prática dos estudantes. Os «Elementos de Gramática Francesa» foram livro muito vendido e utilizado, e o seu autor nome muito conhecido. Era, de facto, um linguista e são importantes as suas pesquisas sobre os «Falares de Riba Coa» publicados na extinta revista «Altitude» (1.ª série, 1940-1945), da Guarda.
Tanto quanto recordo, tê-lo-ia conhecido pessoalmente aí por 1968 ou 1969, quando organizei o «Dicionário de Escritores do Distrito da Guarda». Nesta obra, publicada em 1971, registei que, segundo Carlos Martins, o material resultante do Inquérito se encontrava em seu poder (ver o citado Dicionário, pp. 48-49). Ignoro o que se passou com esse espólio, lembro apenas que a Assembleia Distrital da Guarda, no tempo do seu Presidente, o helenista Dr. Abílio Perfeito, intentou obter o retorno desse material à sua verdadeira proprietária, a Junta Distrital. Creio que algum contacto terá feito, mas, em tempo, falando com José Franco, este não soube confirmar o paradeiro do material, mas tinha em seu poder o original das respostas de Quadrazais, que teve a gentileza de me oferecer e que se conserva no Centro de Estudos J. P. Gomes (Sabugal), numa encadernação de pele diabo, juntamente com outros documentos.
Ignoro se o Dr. Carlos Martins teve descendentes, e se estes terão resguardado aqueles papéis, tão importantes.
Fica este breve memorial em homenagem ao nosso ilustre compatrício.
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«Gente Nossa», por Jesué Pinharanda Gomes
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