O Casteleiro é uma terra bonita, exposta ao sol, que fica na zona mais a Sul do Concelho do Sabugal, ligando a Castelo Branco quer pelo Vale da Senhora da Póvoa, concelho de Penamacor, quer pelo lado das Inguias e Caria, do concelho de Belmonte. Tenho por isso dito sempre que temos mais afinidades com essas terras do que com a Riba-Côa. É que, do Casteleiro, vemos a Serra da Estrela! Entretanto, descobri uma edição «on-line» de um livro bem conhecido e que, sem que essa tenha sido a intenção do autor, me dá mais razão ainda. Este assunto, bem esgalhado, dá pano para mandas. Vamos a ele?

Primeira nota, familiar e pessoal: em casa de meu pai havia uma edição estimada desta obra, bem encadernada e com o aspecto de coisa antiga. E era.
Trata-se do livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», de Joaquim Manuel Correia, editado em Lisboa, em 1946. Trata-se de uma edição póstuma. O autor nasceu em 1858 e morreu em 1945. É sobre algumas passagens desta obra que vem a talhe de foice pronunciar-me hoje aqui.
Quero fazer notar que o autor redigiu o texto do livro em 1904-1905. De facto, quando fala do Casteleiro enquanto freguesia, JM Correia escreve: «Para se fazer idéia dos progressos da povoação (o Casteleiro) convém dizer-se que em 1757 tinha apenas 52 fogos e actualmente (1905) 280 e 974 almas». Note: «… actualmente (1905)». E de caminho, digo-lhe que provavelmente ele, autor, queria dizer 1758 e não 1757… pois isso deve basear-se nas respostas do Cura Leal ao Marquês.
Registe-se mais uma imperfeição do texto: é aquela em que o autor por lapso situa o Casteleiro, antes da reforma administrativa de 1855, no concelho da Covilhã – quando devia dizer concelho de Sortelha, extinto nessa data. Mas adiante.
Já agora, chamo a sua atenção para a grandeza da população da minha terra naqueles tempos do início do século XX: quase mil habitantes.
1855
No vaivém da reforma administrativa de 1855, o concelho ficou maior, Sortelha deixou de ser concelho, o Casteleiro, que era do Distrito de Castelo Branco passa para a Guarda. Como freguesia limítrofe, foi sempre esquecida. Tenho sublinhado isso muitas vezes.
Vou buscar um argumento muto recente para esta minha permanente raiva anti-poder concelhio. Há dois meses, o candidato do PS para Presidente da Câmara, Dr. António José Vaz, disse ao «Capeia» que como técnico da CMS, na altura em que presidia José Freire, ajudou a elaborar as candidaturas aos fundos comunitários – e refere essas candidaturas desse tempo (anos 90). Pois acreditam que nem uma única ali referida tinha em conta o Casteleiro???? E tem sido sempre assim – excepto, verdade se diga, no momento presente, signifique lá isso o que significar…
Apenas 40 anos mais tarde, o Concelho será amputado e humilhado, no entender do autor que referi. E JM Correia diz mais: que as gentes do Sabugal se calaram dessa vez como de outras, pois sempre aceitaram tudo o que o poder lhes fez: «… como no Sabugal tudo sofriam com resignação, não tardou que lhe tirassem Miuzela, Parada e Porto de Ovelha em Julho de 1895»… – o que acho injusto e não me parece sequer confirmado pela História. Mas enfim… adiante.
Flora
«Na mor parte destes montes há carvalhos, castanheiros e alguns pinhais, além de variados arbustos; nas serras do Casteleiro, Bendada e Pena Lobo, crescem também sobreiros». Esta citação, como as seguintes, são do livro de J. M. Correia.
Esta primeira referência que escolho dá logo uma ideia geológica, basilar, irrefutável: há no Casteleiro e envolventes um clima que proporciona uma flora específica: ao nível do arvoredo, sim, mas também, como é sabido, ao nível da fruta: «Entre as árvores de fruto devemos mencionar a cerejeira, ginjeira, macieira, ameixoeira, abrunheiro, nogueira, pessegueiro, figueira, etc.». De tudo isso há na minha terra e ainda melancia e melão.
Serra da Estrela
«Dando vistas à Serra de Estrela, como ali se diz, relativamente a Santo Estevão, Casteleiro, Sortelha, Bendada e Pena Lobo, Quarta Feira e outras povoações, como Rebelhos e Santo Amaro, existem lindos olivais e a laranjeira desenvolve-se admiravelmente, sendo de estranhar que não façam maiores plantações».
Ver-se ou não a Serra da Estrela pode parecer secundário. Isso só parece assim para quem não cresceu a ver a Serra. Nós nascemos e vivemos com a Estrela em pano de fundo. Os Montes Hermínios, percebem? O berço da nossa identidade enquanto Povo, no Portugal inteiro. Nós todos, os portugueses, nascemos «ali» como entidade interligada, como comunidade. O nosso «ethos» contém muito dessa mescla de origens que deram o homem lusitano, o lutador, o combatente, o agricultor e o pastor…
No Casteleiro, somos isso tudo e a Serra a ver-nos todos os dias.Nunca os meus amigos de Santo Estêvão para lá, para o Côa, até à Cerdeira ou a Aldeia Velha, por exemplo, poderão dizer isso. Portanto: ver ou não ver a Serra da Estrela, eis a questão.
Características comuns, também as há
Claro que concordo com JM Correia quando ele aponta coisas que são comuns a toda a zona, incluindo o Casteleiro. Por exemplo, e sem sair deste domínio da flora: «… o rigorismo do clima não obsta a que haja na maior parte das freguesias grande produção de centeio, trigo, linho, batata e hortaliças, regular colheita de milho, feijão e grão de bico, frutos excelentes, vinhos muito apreciados…A castanha e a batata são das melhores do país e em grande escala exportadas. Há, como já dissemos, belos prados, riquíssimas pastagens e campos feracíssimos». Note que feracíssimo significa muito fértil em frutos. E isso, Correia que me perdoe, mas aplica-se bem mais ao Casteleiro e zona envolvente do que à zona de Riba-Côa. Certo?
Mas outra característica comum é por ele referida também, quando escreve: «A abundância de bolota, castanha, batata, centeio e hortaliças e o grande consumo que tem a carne de porco, justifica a abundância destes animais no concelho».
Nota
Por hoje, basta. E, por razões de espaço mas também para dar folga ao leitor, ficará para outra ocasião a referência ao texto que o autor dedica ao Casteleiro e que não me agrada mesmo nada em certos pontos e sobretudo na sua comparação relativa com os dedicados a outras freguesias. Mais tarde explicarei o que me incomoda. Uma coisa de cada vez, como diziam os (nossos) antigos.
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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Muito bem, JD.
Sem fanatismos, mas com justiça: esperemos que os próximos eleitos municipais comecem a compensar o Casteleiro.
Seria um bom começo.
Adenda
Nem de propósito, quando em cima escrevi sobre candidaturas e fundos europeus, o Presidente da Junta do Casteleiro chamou-me de imediato a atenção para mais um caso bem sucedido: mais uma candidatura aprovada. Neste caso, para Minimização dos Riscos na Defesa da Floresta contra incêndios.
88 hectares vão ficar mais defendidos. E bem precisam.
O leitor pode consultar a notícia aqui, se tiver interesse:
http://vivercasteleiro.blogspot.pt/2013/06/rede-primaria-candidatura-aprovada.html
Tenho amigos do Casteleiro… Estudei no Sabugal com pessoal do Casteleiro (e do Vale da Senhora da Póvoa). Sempre os considerei como iguais. Concordo que o casteleiro tenha sido “esquecido”. Eu sou do Soito, mas não sou daqueles fanáticos, não sei se me faço entender…
Desculpem mais uma achega que me foi agora lembrada por quem sabe destas coisas, que por acaso já um dia escrevi:
– Na nossa meninice, ao Sabugal só se ia pagar à Câmara, às Finanças e às Conservatórias. Tudo o resto (comprar sapatos, ir ao médico, ir à Farmácia, apanhar o comboio – claro – está tudo relacionado com as décadas anteriores a esse tempo), para tudo isso ia-se a Caria, a Belmonte ou mesmo à Covilhã.
Os endereços nas cartas eram:
Casteleiro – Beira Baixa.
Até isso.
Esse pendor vinha de trás, do século XIX, claro.
É ver esta peça inserida há tempos por José Carlos Lages:
https://capeiaarraiana.pt/2013/05/08/freguesias-do-concelho-do-sabugal-em-1758-12/
Vejam, por favor, o que escreveu o padre (cura) Leal sobre a organização administrativa da época (1758). Nada de referências ao Sabugal.
Mas tudo isso são águas passadas.
Caro João Duarte e caros leitores,
1
A minha brincadeira sobre a Serra da Estrela era uma espécie de «vingança do chinês», digamos e sem racismos.
2
Longe de mim e da malta do Casteleiro darmos agora para aqui início a uma guerra separatista.
Nada disso.
E, é evidente, concordo com o princípio enunciado por JD da diversidade como uma mais-valia.
Sim.
3
Mas nada disso (e aqui a coisa já fia mais fino) – nada disso, repito, me pode impedir de pensar que a minha terra tem sido muitas, mas muitas vezes, posta em segundo plano relativamente ao que merecia. E isso é um sentimento muuuuuito antigo no Casteleiro. Era eu miúdo e já me diziam isso, nos anos 50 e ouvia os mais velhos e mais politizados falar contra essa injustiça.
E depois do 25 de Abril, muitas vezes, idem-idem, aspas-aspas…
Pior: julgo que este sentimento vem da tal reforma de 1855.
Mas tudo bem.
Talvez um dia sejamos compensados.
4
Olhem: honra seja feita à actual Junta de Freguesia, que, com candidaturas a fundos europeus, tem feito milagres, sobretudo nos últimos tempos.
Por isso, o meu grande apoio vai para eles, como se entenderá.
Força, Tó Zé (António Marques) e grandes companheiros!
Como vai para a equipa de luxo que mantém aquele grande Lar a funcionar de forma exemplar.
É imbatível, sim senhor… Mas eu não concordo com a tese. Isto é, não concordo , em parte. Todos somos do concelho de Sabugal. Cada concelho (seja ele qual for) tem regiões mais próximas de outras fronteiriças, mas isso é normal. Claro que o Casteleiro tem um clima mais próximo do da Beira Baixa. E tem especificidades… Mas é o todo concelhio, as diferenças que o tornam mais interessante. Penso assim
Boa, JD!
Então… Ora, bolas, lá se vai a minha tese por água abaixo…
Não.
Ainda me resta um argumento:
– Mas nós estamos mais perto da Serra.
E este é imbatível.
Mas a Serra da estrela também se vê daqui, do Soito.