Um recente «post» no blogue da minha terra sobre uma determinada casa do Casteleiro e com uma foto do local, muito bem arrancada por sinal, levaram-me inevitavelmente a um tema: a construção e reconstrução de casas. Este assunto já estava na minha agenda, mas mais lá para Agosto, aquando da vinda mais massiva dos emigrantes. Claro que o tema é vital nas nossas aldeias de emigrantes: a renovação do edificado, a qualidade de vida das famílias. Vamos a ele, então…

Trata-se, como disse, da renovação do edificado, consequente imagem actual da minha aldeia e, por analogia e arrasto das mesmas circunstâncias, trata-se afinal da imagem actual de quase todas as aldeias da nossa zona.
Isso, basicamente, como resultado da vinda de dinheiro fresco e mais ou menos abundante, nos últimos 40 anos, sendo a casa da família a segunda prioridade, sobretudo dos emigrantes. A primeira foi o automóvel, claro.
De facto, hoje, o Casteleiro, visto ou fotografado de longe, é uma aldeia muito clara – e bem mais branca do que era há 50 anos.
Por um lado, há muita construção nova de raiz. E a cor branca predomina em geral. Por outro, as obras de restauro das casas antigas, que eram muito escuras, com o granito à vista, em geral taparam a pedra com argamassa pintada de cores muito claras.
Por isso, a foto panorâmica actual mais típica da minha terra é aquela que hoje aqui vos trago para ilustrar o que escrevo.
Longe vai o tempoUma casa, uma imagem. Foto feliz, esta. Assim se constrói uma bela crónica (que pode ler aqui). A surpresa é ver ao lado da casinha antiga que agora nos parece diminuta mas no seu tempo era uma casa normalíssima… ver ali ao lado, dizia, a «maison» de três pisos, quase imponente, para os padrões daquela zona da aldeia…
Uma simples imagem, tão feliz na captação e boa objectiva, a trazer muitas recordações para muita gente, sobretudo mulheres, porque se trata da casa de uma das costureiras da aldeia. Assim se constrói uma crónica emotiva. Se tiver essa disponibilidade também vale a pena ler… (Aqui.)
No Casteleiro, as ruas de casas pequenas e de pedra escura já eram… como em toda a Raia também.
Hoje, em cada rua, para cada casa escura, há duas ou restauradas, pintadas e ampliadas ou novas de raiz.
As regras da reabilitação urbana dos centros urbanos, aqui, não valeram. Cada um foi fazendo, com ou sem aprovação municipal, e não foi mal visto, porque havia aquela coisa simples e prioritária de ter de responder a uma necessidade da família: espaço e conforto.
Longe vai o tempo das casas com um só quarto.
Longe vai o tempo dos cortelhos por baixo das casas.
Longe vai o tempo dos excrementos – fossem os de humanos lançados para a rua, fossem os de animais a enxamearem o piso pelas ruas abaixo.
Longe vão esses tempos, repito.
Felizmente! Felizmente!
Realismo antes de qualquer técnicaGostava que olhasse outra vez para a foto de abertura. Ao lado da casa grande, recuperada, concentre-se na casinha antiga, que hoje parece estranhamente pequenina, reduzida – e no entanto, quanta actividade de costura ali se fez (patroa e três empregadas… parece impossível como cabiam lá, mas cabiam mesmo e tudo era normal para a época).
Nesse tempo a normalidade era essa: casinhas, diríamos hoje. Depois melhorou-se a vida de todos, felizmente.
À medida que cada família tinha posses, ia reconstruindo. Nada de plano geral. Nada de plano de quarteirão. Nada de unidades técnicas operacionais. Nem sequer AUGIs, que mais tarde surgem mas, a julgar por Carnide e Ameixoeira ou a Lagoa de Albufeira, de pouco valeram no que se refere ao que aqui estamos a apreciar: dar às casas em grupos vizinhos alguma unidade, alguma homogeneidade.
Sobretudo, pelo menos no Casteleiro, maior qualidade de vida e um grande realismo, comandado pela necessidade de cada família ter uma casa maior e mais confortável, à medida que as pessoas iam chegando da França. A esmagadora maioria estava na França e sobretudo nos arredores de Paris: Champigny, Seine et Oise, etc. ou seja, os departamentos 91 a 95, se não estou em erro.
Poucas foram as casas dessas famílias que ficaram como eram: pequenas, escuras, desconfortáveis. Quase todas foram restauradas.
Não digo reabilitadas, porque a reabilitação pressupõe o respeito pela traça e características do antecedente – e nestes casos, francamente, ainda bem que não foram obrigados a respeitar a anterior habitação, tão má ela era e tão desadequada aos novos padrões de casas, de que as cabeças vinham cheias, de tanto as verem e cobiçarem, lá por terras de França, quando os pais prometiam aos filhos:
– Quando lá chegarmos, vamos fazer da nossa casita uma «maison» como esta aqui!
As três levas de restauros e de casas novas
Era absolutamente legítimo querer melhorar a vida cá e, logo para começar, dar um poiso melhor aos filhos, uns que já cresceram por lá, tendo daqui saído muito pequenos e que lá frequentavam as escolas, e outros até já nascidos em terras de França.
Portanto, a recuperação das casas e a construção de novas quando as antigas nem para isso serviam, fez-se basicamente à medida e em imitação das vivendas francesas de locais onde trabalhavam ou onde passavam os nossos conterrâneos.
Mas nem só de França vieram ideias e pessoas para refazer as casas do Casteleiro.
A segunda leva foram os «retornados». Vinham de Angola e de Moçambique. Alguns levaram anos a recompor-se do cataclismo que as suas vidas infelizmente sofreram. Mas uma das primeiras prioridades foi a casa. Pelos seus padrões, mais uma vez e sempre.
Conhecem-se as diferenças entre estas duas primeiras levas de, digamos, «reabilitações», em que as casas restauradas e os verdadeiros bairros de casas novas são em grande, mas muito grande maioria, as dos emigrantes franceses.
Finalmente, mas lá pelos anos 90 e mesmo mais tarde, novas leva de transformações de casas, algumas dessas já com regras, sim, e com outras características, também visíveis nas nossas ruas: os migrantes que por Lisboa fizeram toda a sua vida sempre, queriam agora melhorar as suas casas também.
Contrastes, cores claras, cores escuras
Nas ruas actuais da aldeia são notórias as três fases e estratos de obra feita. Nas fotos que hoje se publicam a ilustrar esta peça (fotos aleatórias de alguns locais e algumas ruas durante as várias festas da aldeia), são notórias duas coisas:
– a primeira é que, na sua esmagadora maioria, as casas foram mexidas, recuperadas, fosse mais, fosse menos;
– a segunda constatação: às cores claras desses restauros contrapõem-se as poucas paredes ainda em pedra escura.
Do cinzento-escuro de antigamente estavam todos saturados – isso nota-se muito bem no resultado das obras feitas um pouco por cada rua, cada largo, cada bairro, durante as últimas décadas. Os contrastes, as cores claras e escuras.
As poucas casas antigas já se esconderam por baixo das novas. E afinal foi desta amálgama que se fez aquilo que o Casteleiro é hoje: misto, variado, bonito na sua diversidade, mostrando o passado ao lado do presente – o que nos traz por vezes aquela emoção de quem revive cenários antigos, de quem recorda vivências de antanho, sem contudo ficar perdido por lá, nesses passados emotivos.
Então e não é que o resultado final é bem agradável de ver – como se nota pela imagem da vista geral do centro da aldeia? Um Casteleiro, afinal, com uma incontornável dimensão emocional e sentimental, diferente de pessoa para pessoa, mas universal, porque a todos toca fundo.
Uma terra com futuro, costumamos dizer uns para os outros na minha terra. Com futuro, com a participação de cada um.
Ou, como avança a Junta de Freguesia: JUNTOS PELO CASTELEIRO.
:: ::
«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
Leave a Reply