:: :: CASTELEIRO :: :: Os manuscritos depositados na Torre do Tombo, em Lisboa, são a resposta a um inquérito censório a todo o reino assinado pelo Marquês de Pombal três anos após o terramoto de 1755. O Capeia Arraiana está a publicar as respostas dos párocos das paróquias das 40 freguesias do concelho do Sabugal agora que, pelo menos 10 das retratadas, vão desaparecer para sempre por obra e graça dos senhores mandantes da troika europeia.

:: :: CASTELEIRO :: :: «Na Serra da Preza, existem os alicerces de uma grande presa de água, que se conta queriam, em tempos antigos, a levar por canos aonde chamam a Torre dos Namorados, distante dela 4 e 5 léguas.»
Comarca de Castelo Branco, Termo de Sortelha, Bispado da Guarda.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Dicionário Geográfico, vol. 9, doc. 2, p. 640.
Património arquivista da Paróquia do Casteleiro entre 1646 e 1911… (Aqui.)
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«1 – Está na provincia da Beira, Bispado da Guarda, Comarca de Castello Branco, freguezia do Salvador, anexa de Santa Maria do Castello da Villa de Sortelha e termo da mesma Villa.
2 – Hé anexa da Igreja Matriz de Santa Maria da dita Villa de Sortelha. Pertence a El Rey.
3 – Tem cento e sincoenta e dois fogos, pessoas de confissão e comunhão trezentas e quarenta e oito; só de confissão setenta e quatro, crianças que ainda se não confessam cento e tres, pessoas ao tudo quinhentas e vinte e sinco.
4 – Está situada em valle; della se descobre para a parte do Nascente o Lugar Moita, distancia de meia legoa; para a parte do Norte a Villa de Sortelha, distancia de huma legoa.
6 – A parrochia está feita no Lugar; e logo junto as cazas, tem huma Quinta que chamam de Cantalegalho, tem hum morador; e tem outra que chamam do Espirito Santo tem outro morador.
7 – O orago desta freguezia hé o Salvador do Mundo; a Igreja tem tres altares: dois da parte do Evangelho, hum dedicado ao Menino Deos e outro a Sancto Antonio, e da parte da Epistola tem outros dois, hum dedicado a Nossa Senhora do Rozario e outro as almas do Purgatoria. Naves, tem somente o arco da capella mor. E huma Irmandade das Almas do Purgatorio, e outra de Sam Pedro.
8 – O Parrocho he Cura e aprezentado pello Reverendo Vigario da dita Villa de Sortelha, por ser anexa da Igreja Matriz de Sancta Maria da mesma Villa, cuja Caza pertence a EI Rey; tem de rendimento vinte mil reis.
13 – Tem quatro Ermidas: huma de Sam Sebastiam; esta está fora do Lugar quazi cem paços; e outra do Devino Esperito Santo, e esta está dentro do Lugar; e outra de Sancta Anna, está esta fora do Lugar, distancia de meia legoa; e outra de Sam Francisco, esta está fora do Lugar, quazi trinta passos, e nella está erecta a Irmandade dos Terceiros, sujeita ao Convento de Santo Antonio da Villa de Pennamacor; e todas estam sujeitas a Igreja Matris do dito Lugar do Castelleiro.
14 – A Ermida de Sancta Anna costumão os moradores do mesmo povo fazer romagem em dois dias do anno: hum, em dia de Sancta Crux, a tres de Maio; e outro, o terceiro dia das Ladainhas no dito mes de Maio; e nesta e em todas as mais acima nomeadas se custuma dizer missa.
15 – Os fructos que nesta terra se comem em maior abundancia sam: centeio, vinho, azeite, castanha e linho; mas esta maior abundancia apenas será mediocre excepto nas terras ferteis.
16 – Está sujeita aos Juizes Ordinarios da Villa de Sortelha, e nella se obra, este anno servindo hum Juiz Ordinario por se custumar fazer hum da Villa e outro do termo, como tambem hum vereador, e todos os annos tem dois Juizes pedaneos, que sam feitos dos officiais da Camara da dita Villa.
18 – Nada, por ser gente muito rustica e não se lembrarem de memoria alguma.
20 – Nam tem correio: serve-se do correio de Pennamacor, que dista tres legoas
21 – Dista da cidade da Guarda, capital deste Bispado, seis legoas, e da de Lisboa, capital do Reino, dista quarenta e tres.
26 – Não padeceo ruina alguma no terramoto de 1755.
SERRA
1 – O Lugar do Castelleiro está fundado em hum valle, como assima se declara, em cujo lemite estão huma chamada a Serra do Pá, e outra a Serra da Preza.
2 – Esta, chamada Serra do Pá, tem de comprimento duas legoas e de largura meia legoa; principia no lemite do Lugar da Moita, em o sitio da Cabeça Gorda, e acaba em o sitio que chamam Sam Dinis, no lemite do Lugar chamado Benquerença, distante deste povo duas legoas. E a Serra chamada da Preza terá de comprimento huma legoa e de largura quazi o mesmo; principia no lemite deste Lugar e acaba no lemite do Lugar chamado Escarigo, distante deste Lugar legoa e meia. Correm estas
Serras de Norte a Sul.
4 – Da Serra chamada do Pá, nasce hum pequeno Ribeiro; e a este chamam o Ribeiro de Val de Cazeloins, e logo se mete em huma Ribeira que corre ao pé do povo; e este Ribeiro da Serra do Pá corre do Nascente para o Poente. Da Serra chamada da Preza nasce outro pequeno Ribeiro chamado de Cantalegalho, e também se mete na mesma Ríbeira. Da Serra nasce outro pequeno Ribeiro, que passa ao pé da Quinta do Espirito
Santo, e Corre também para a mesma Ribeira; e este Ribeiro se mete nella aonde chamam o sitio Guaracoins, e aquelle no sitio chamado Tinte; e estes ambos correm do Poente para o Nascente, e tudo está no lemite deste Lugar.
8 – A Serra chamada do Pá se cultiva com searas de centeio, de hum e outro lado a meia ladeira. E a Serra chamada da Preza se cultiva com searas também de centeio em todo o cimo e em todos os lados della, e o mais nada.
9 – Quazi no meio da Serra chamada do Pá, está a Ermida de Sancta Anna, assima declarada, e somente os moradores do mesmo povo custumam hir em romagem algumas vezes.
10 – O temperamento destas duas Serras assima declaradas, he frio, mas saudavel.
11 – Cria-se nas taes duas Serras gado meudo, e caça, coelhos e perdizes.
12 – Nesta Serra chamada Preza, acha-se em todo o meio os aIicerces de huma grande preza, que ali houve antigamente, donde a
Serra tomou o nome de Serra da Preza; e agora desta Preza, se conta, a queriam em tempos antigos levar por canos aonde chamam a Torre dos Namorados, distante della quatro ou sinco legoas; e nesta mesma Serra, há huma Crux, quéchamam da Relva Velha, para a parte do Lugar chamado Escarigo, tem a Mitra duas partes em todos os fructos, e a Comenda huma.
13 – E da mesma Crux, para a parte do mesmo Lugar do Castelleiro, terá a Comenda duas partes, e a Mitra huma, em todos os fructos.
RIO
1 – Ao pé deste Lugar do Castelleiro, Corre huma Ribeira, sem mais outro nome que o nome de Ribeira; esta principia a nascer ao pé da Serra chamada do Mosteiro, ao pé de huma Quinta chamada Alagoas, freguezia de Sancto Antonio da Orgueira, termo da Villa de SorteIha, e nella também se mete outro Ribeiro pequeno, que chamam o Ribeiro do Poio, o qual principia a nascer em sitio chamado Corredoura, no lemite da dita Villa de Sortelha, e este se vem meter nella, no sitio das Alvercas, lemite deste Lugal.
2 – Esta Ribeira corre quazi todo o anno, ou ao menos athé o fim de Julho, e ao depois sempre nella se conservam aIguns possos de ágoa; este Ribeiro chamado Poio, no principio corre algum tanto arrebatado, porem em se metendo na taI Ribeira, entra a correr com ella quieto.
3 – Nesta somente se metem tres pequenos Ribeiros, chamados hum Ribeiro de Val de Castelhoins, e outro de CantalegaIho, e outro o do Espirito Sancto; este se mete nella no sitio chamado Guaracois, e aquelles no sitio chamado o Tinte.
5 – A Ribeira em si corre quieta, mas os tais Ribeiros que nella se metem, correm algum tanto arrebatados.
6 – Esta taI Ribeira, aonde principia corre das partes do Nascente, e couza de hum quarto de legoa, no sitio chamado Alvercas, lemite do mesmo Lugar, dá huma meia volta, e corre de Norte a Sul.
10 – As suas margens se costumam cultivar para centeio; as arvores que há ao pé della, sam algumas oliveiras e alguns ameeiros, porem estas nam dam frutos; tambem ao pé do Lugar, em alguns chans que estam junto della, se costuma semear linho de secadal.
12 – Emquanto corre no leito deste Lugar nam tem outro mais que de Ribeira, mas fora do lemite toma o nome de Ribeira do Anacer.
13 – Morre na Ribeira chamada Meimoa, entre o Lugar de Bemquerença e o Lugar de Escariga.
15 – Tem esta Ribeira duas pontes de pao: huma no sitio chamado Alaia dos Ramos, e outra no sitio chamado as Relvas da Ponte.
16 – Tem, dentro do lemite desta freguezia, esta Ribeira sete moinhos e tres lagares de azeite, e dois pizoins, e algum dia teve hum tinte, porem hoje se acha demolido.
18 – Gozam os povos livremente das suas ágoas.
19 – Tem de comprimento, donde principia athé aonde se mete na Ribeira Meimoa, duas legoas, e não passa senam ao pé deste Lugar de Castelleiro.
20 – Quando a folha cahe para a parte desta Ribeira, que chamam a folha de Guaralhais de hum sitio que Chamam as Portellas para baixo, tem a Mitra duas partes e a Comenda huma; e das Portellas para cima tem a Comenda duas partes e a Mitra huma, em todos os fructos.
Castelleiro, 25 de Abril de 1758.
Manoel Pires Leal, Cura deste dicto Lugar.»
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Ver perguntas do inquérito… (Aqui.)
Fonte: Alfaiates-Na órbita da Sacaparte. Autores: Pe. Francisco Vaz e Pe. António Ambrósio.
(Continua.)
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«Censos do Marquês de Pombal em 1758», por José Carlos Lages
Caro José Carlos Lages, aproveito a referência ao Casteleiro nesta tua série de utilidade pública para te manifestar o meu preço pela ideia e pelo trabalho imenso ao serviço do Concelho que nos viu nascer.
Depois, peço a tua compreensão para aqui chamar a atenção para dois ou três apontamentos – como sabes, no blog ‘Viver Casteleiro’, António Marques, editor do blog e presidente da Junta, já tinha feito um trabalho deste género também sobre o Casteleiro.
Algumas notas que podem interessar de forma especial ao leitor:
1. Hoje é certo que estas respostas do Padre Pires Leal e as dos outros pelo País todo são uma segunda versão. Outra, a primeira, foi produzida nos anos 30 do mesmo século XVIII – mas perdeu-se no terramoto. Por isso, em 1758, o Marquês retoma a ideia e o resultado é espantoso: os padres (curas) de cada freguesia mostraram-se grandes conhecedores da realidade local.
2. A primeira versão destinar-se-ia ao «Dicionário Geográfico de Portugal», talvez uma ideia doutro sacerdote: o Padre Luís Cardoso.
3. Quanto ao inquérito do Marquês, aqui referido nas «Memórias Paroquiais», ainda ficaram mais de meio século entregues à Igreja / Congregação do Oratório. Foram depois os Liberais que as recolheram em entidades estatais – até chegarem à Torre do Tombo na segunda Revolução Liberal (1836/1838).
Finalmente, daqui aviso todos os leitores para uma das minhas teses:
– O Casteleiro naquele tempo não era onde é hoje. Ou melhor, estendia-se por áreas limítrofes, em torno de duas realidades à data importantes: a ribeira e a Estrada romana (hoje Caminho da Estrada, que por coincidência a Junta está a alcatroar, finalmente).
Concluí isso quando li que este Padre Pires Leal escreveu que o Casteleiro tinha uma capela, a do Largo de São Francisco, que ficava fora do povoado uns trinta passos (ler no texto acima o primeiro bloco de respostas, ponto 13) e ainda que a capela de São Sebastião – que ficava a caminho do cemitério e já não existe – ficava fora da povoação uns cem passos. Mais adiante lê-se que as casas chegavam à ribeira etc…
Portanto: uma aldeia estendida do Reduto até à Ribeira, indo até ao Tinte, e pouco mais.
JCL, desculpa ser tão longo.
Bom esforço, este teu.
Continua, por favor.
Vale a pena.
Caro José Carlos Mendes
Estás «desculpado e perdoado». Os teus contributos têm sido fundamentais e enriquecidores para o Capeia Arraiana mas, acima de tudo, para a história das gentes e das terras da Beira Raiana.
Aquele abraço,
jcl