Quando a «Grândola, Vila Morena» (canção censurada) entoava aos microfones da Rádio Renascença, rasgava-se um mar de esperança maior que todo o oceano. A manhã de 25 de Abril de 1974 devolvia um país ao seio da liberdade, permitindo a um povo o grito de ser livre. Estava em marcha o rumo à cidadania das portuguesas e dos portugueses.

O maior triunfo da revolução de Abril foi o de dar a todos direitos e deveres iguais, permitindo a participação plena na vida política da nação. A esta participação plena chama-se democracia. Custa-me acreditar que quem se comprometeu com os valores de Abril entenda que a revolução tenha produzido – ou deixou produzir? – uma democracia assente numa ditadura partidária e de classe: a classe política.
Assistimos a um desfilar de compadrios, de crimes, de abuso de poder, muitos deles com responsabilidades no bem-estar de todos, completamente impunes. Muitos deles na prática de actos legais, mas verdadeiras aberrações do ponto de vista ético e moral. O que me leva à seguinte reflexão: as leis produzidas e influenciadas pelos interesses instalados no parlamento, têm vindo a legalizar o regabofe da classe política. O abuso é permitido por lei. Dois exemplos: Isaltino Morais, presidente da câmara de Oeiras, preso, mas continua em funções. O presidente da câmara de Faro, por decisão do tribunal perdeu o mandato, continua em funções. Outros exemplos haveria por aí, desde as escutas que não valem, às licenciaturas e licenças, autorizações e não autorizações… enfim! Chutou-se para canto com a Constituição, e hoje, em vez de termos a separação de poderes, temos a supremacia da política sobre a justiça. Lá se foi a igualdade de direitos, a igualdade de oportunidades, a igualdade entre cidadãos. Hoje, a democracia subverteu-se. Vergou-se ao poder das finanças e aos caprichos da classe política. Até porque estes são os fantoches daqueles.
Dir-me-ão que não tenho razão, que não são todos. Claro que não. Sei muito bem que generalizo. Contudo, os bons, não os vejo no poder, porquê?
Comemorar Abril é um imperativo. E hoje, comemorar Abril, é responder à pergunta que deixei atrás. Onde estão os que querem uma democracia plena, assente em valores e não em euros, em projectos e programas para sociedade portuguesa em geral, e não para grupos, numa justiça independente e não tão opaca?
Comemorar Abril hoje é exigir verdade, dignidade, solidariedade.
Comemorar Abril hoje é exigir ser cidadão pleno.
Comemorar Abril hoje é dever de cada um.
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«A Quinta Quina», opinião de Fernando Lopes
Só para dizer que a “Grândola, Vila Morena” não era uma canção censurada. Exactamente, por isso, foi escolhida como senha. Canções como “Venham Mais Cinco”, “Gastão era Perfeito” e outras eram, essas sim, proibidas e eram censuradas na rádio e em espectáculos. Nos anos 70 , nas aulas de Canto Coral, os alunos do Externato Secundário do Soito cantavam a “Grândola”, sob a direcção do Padre Luís.
Comemorar Abril, hoje, é também, infelizmente, uma utopia.
Fernando:
A classe política, com honrosas excepções, enriqueceu à custa de benesses do Estado, a classe empresarial, banqueiros e outros, com honrosas excepções enriqueceu à custa dos subsídios do Estado, a justiça, como tu sabes é cega, não viu estas coisas…O que resta de Portugal? Um Povo digno, honrado e trabalhador que neste momento luta para poder sobreviver.