Acordai arraianos, dessa letargia em que dormis. É necessário lançar um grito de alarme, que se ouça em todas as aldeias e lugares, porque nos orgulhamos do passado, queremos fazer parte do presente e temos esperança no futuro. Não aceitamos ser condenados à extinção, como o lince da Malcata.
Porque nos recusamos a pactuar com aqueles, que nos condenaram a uma vida de agonia expectante.
A nossa vontade é inquebrantável.
Cruzámos o mundo de lés a lés.
Descalços, a pé, de carro, e carregados de contrabando ou de ilusões.
Estivemos em França, Alemanha, toda a Europa, África, América Latina e do Norte, Índia e China, em todas as partes do mundo.
Regressámos e voltaremos porque somos imparáveis e invencíveis.
Os cofres dos bancos abarrotaram-se com as remessas dos nossos emigrantes, mas como prémio recebemos o esquecimento.
Estamos fartos de políticos, tecnocratas, burocratas, de fazedores de opinião, dos iluminados e comentadores, porque com todo este saber o país afundar-se-á no Atlântico, mas nós beirões sobreviveremos ancorados aos nossos carvalhos centenários.
Dêmo-nos as mãos, onde nos encontremos, e veremos que somos do tamanho do Mundo.
O sol ainda se levanta, inundando de luz, os nossos vales e serras antes de se esconder no horizonte.
Há noites de prata ao luar.
No silêncio da noite, o rouxinol ainda se faz ouvir interpretando as suas infindáveis partituras, com cantos celestiais.
As águas dos ribeiros saltam de cascata em cascata, por entre os estreitos e sinuosos leitos.
Há festas e romarias.
Estrelejam foguetes no céu.
Bandas de música animam as nossas aldeias.
Desfilam os santos em procissões, nas ruas em dias de festa.
É dia de capeia na aldeia, por entre o arvoredo e poeira, divisa-se um cenário bélico, a infantaria avançada e a cavalaria atrás, entrará triunfante por entre a multidão, que se acotovela por todo o lado à passagem do tropel.
À tarde é a espera ao forcão, com a praça apinhada de gente, a juventude entrincheirada atrás da pesada estrutura de madeira, espera firme o embate da fera, que roda para um lado ou outro, tentando ultrapassar a muralha, que parece telecomandada.
Se alguém for colhido, então o grupo actuará como um enxame humano sobre o touro.
Nesses dias as nossas aldeias, inundam-se de gentes vindas de todas as partes do mundo…
Ainda ouvimos os murmúrios dos contrabandistas, misturados com as sombras do arvoredo na solidão das noites invernosas.
Ouvi o ranger dos eixos e rodados dos carros de bois, no seu lento trepidar nos irregulares e estreitos caminhos.
Olhai e ouvi o ondular das searas ao vento.
Inalai o perfume das flores do campo, que trazem os odores dos nossos antepassados, que mourejaram por estas terras.
Há lágrimas de dor pungente nos nossos corações, torturados pela saudade sentida, por aqueles que connosco privaram.
Ouvi os manguais vibrar nos molhos de centeio, estendidos na laje granítica.
Vêde como a pá de madeira, lança ao ar o centeio, para o vento o separar das praganas.
As nossas casas de granito, serão o testemunho da nossa passagem por estas paragens, como as pegadas de dinossauros que o mundo não apagará.
Nós somos os que abrimos os caminhos da vida, carregando o corpo e a alma dilacerada, pelas venturas e desventuras da experiência.
Explodimos as lajes graníticas, para construirmos as nossas casas.
Esventrámos as nossas terras, para extrair água dos poços e semeámos e regámos todas as leiras de terra.
Plantámos pomares e vinhedos, entre os barrocais e montes eriçados.
Semeámos o linho, com que fabricámos as albas camisas e lençóis.
Partilhámos as nossas casas com os animais, e fertilizamos os campos com o seu estrume.
Para adquirir competências e saber, inundámos universidades e provámos nos Ministérios, Forças Armadas, outras instituições e associações profissionais, a nossa valia.
Mobilizemos as influências e competências de todos os arraianos, para alimentarmos ainda o sonho de mudança.
Não aceitaremos ser objecto de um parque jurássico…
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«Vivências a Cor», expressão de Alcínio Vicente
pois é isso mesmo… Aí estou de acordo com o sr. Coelho. Não sou ninguém para criticar a obra plástica de Alcínio Vicente e até gosto das suas obras… Já sobre o seu “Manifesto Político” tenho o direito (e o dever) de me manifestar, uma vez que sou um cidadão. E graxa não é comigo.
Perdoem-me os senhores comentaristas mas a obra, aqui reproduzida pelo Alcínio Vicente, é de tal maneira valiosa que jamais pode ser fonte de interpretações divergentes que só a política consente mas a arte não admite.
Alcínio Vicente não merece essa ofensa!
E não é o ora escrito pelo nosso Alcínio um manifesto político ?
Para o sr. Coelho… Claro que espreitei só pela janela. Acha que eu me misturo com vendedores de “pomada da cobra”? Safa!!!! Safa!!! Como diria o actual inquilino de Belém, outro dos da CORJA…E continuo a perguntar: O que nos distingue dos outros povos? Vejo-os a votarem nos mesmos em que votam os outros, por exemplo do distrito da Guarda… Depois, vêm com queixumes que os amigos diziam ser amigos, mas não eram amigos… Afinal, sr. Coelho, qual é a diferença entre esta gente “arraiana” e a outra gente? Ou só são valentes porque pegam ao forcão, mas andam de joelhos perante os vendedores de “pomada da cobra”?
Senhor João Duarte
Não posso, apesar de tudo, deixar de admirar a sua coragem, ainda que seja muito feio andar a espreitar os outros à janela …
Cordialmente,
Fim de papo
Alcínio Vicente, É Imaginativa a arte que imprime à mensagem que nos transmite este excelente e genial naco de sublimação, que irradia uma cambiante enleada entre sentimento e emoção…
Ao decifrar esta glorificação poética, gerou em mim uma percepção de mesclada fragrância, que me deixou a dúvida e a sensação, se estou a ver efectivamente uma tela onde se amalgamaram os traços multicolores, pincelados e retocados, por mão de artista experiente e seguro, ou se estou a recitar uma poesia perfumada e harmónica, onde se perfilam letras divinamente orquestradas por mestre exímio, que as anima e promove a melodia…
Obrigado pela exortação …
Ao meu Amigo Alcínio, peço desculpa por esta interrupção, mas é que …
Ao sr. João Duarte, que, penso, não ter o prazer de conhecer pessoalmente (ou tenho ?) não posso deixar de “admirar” a sua constatação relativa ao povo arraiano, comparativamente aos outros povos….Faço votos que nenhum deles lhe responda…
Também, já agora, uma curiosidade:: esteve nessa concentração ou só espreitou pela janela ?
Meu Caro Alcínio, os comentários que merece e vem merecendo seguem dentro de momentos.
“olhai e vede o que vos fizeram aqueles que sempre dizem ser vossos amigos”- escreve o sr. Vítor Coelho. Pois, pois… eu lembro-me bem de há dois anos atrás, aqui mesmo ao pé da minha casa haver uma grande concentração de “arraianos” a aplaudir uns vendedores de “pomada da cobra”. Lembro, lembro e não esqueço… Porque um deles era daqui do Soito, foi uma coisa louca… “Agora, sim, agora sim” . pois, pois…
Já agora, o que têm os “arraianos” diferentes dos outros povos de Portugal?
Simplesmente belo e rijo como todo arraian@!
Para si, Alcínio Vicente, a minha singela Homenagem:
Vejo e revejo…
Leio e releio…
Penso e repenso…
E cada vez mais me convenço
Que na tela, mesmo à vista
Está a alma dum artista
Estou certo e não me engano
Está um coração arraiano!
Numa ânsia de mudança
Está a força dum vulcão
Tem a fé, tem confiança
Tem a raça dum beirão!!!
Parabens por esta gesta heróica.
Mas não deixo de perguntar: porque chegámos aqui? Que faremos para sair daqui?
Artista completo
Pinta a cor, no pincel mergulhado em tintas do arco-íris, salientando-lhe o laranja do fogo e da força da sua alma e das suas gentes raianas, bem como o azul da altitude do céu que abraça tudo e todos os que inteiram a sua paisagem.
Com palavras pinta, doira e enaltece os que lhe formaram o carácter com seus exemplos e forma de estar na Vida. E, ao falar dos outros, revela-se a si próprio, como Pessoa, como Artista Plástico, como Poeta Escritor e, sobretudo, como Homem que marca presença na sociedade em que vive, não cedendo tréguas ao marasmo e desinteresse pelo que se passa ao seu redor e perante o, cada vez, mais cruel amachucar dos que nos desgovernam em nome de Governo.
É um orgulho conhecer o Alcínio Vicente.
Quando na prosa , transparece a poesia e o quotidiano, ainda que nostálgico, está tudo, mas tudo, dito. Palavras para quê? É um artista!…
Belo quadro e belas palavras.
Nota-se sangue arraiano a fluír nas veias
Lindas, poéticas, sábias e intencionais palavras. Mas, será que têm eco ?
Como diz o pintor/poeta: “acordai arraianos” e, permito-me acrescentar: “olhais e vede o que vos fizeram aqueles que sempre dizem ser vossos amigos”…
Bravo Alcínio.
Alcínio
Obrigado por este grito de revolta mas de esperança profunda e de crença arreigada na força da nossa gente capaz de dar a volta.
Ramiro Matos
É uma autêntica pérola esta obra de arte com que o Alcínio Vicente nos acaba de presentear.Não sei qual o melhor dos seus condimentos: se o pincél do artista plástico reproduzindo a cena da malha toda ela plena de luz e côr, se a pena do escritor enaltecendo as ilustres virtudes dos nossos antepassados ou a alma do poeta alimentando, intimamente, a ânsia de mudança.
Rendo-me, sinceramente,à qualidade deste vulto da nossa cultura raiana!
Parabéns, Alcínio Vicente!
Brilhante. Precisamos disto.
Não nos vencerão.
Não desistimos de sermos o que somos.
Temos orgulho de sermos da Beira raiana.
Jfernandes – Pailobo
Caro Alcínio Vicente
Que belo e heróico quadro pintou com as palavras deste artigo.
Penso que se não for a gente com experiência, saber e espírito de resistência tão comum aos beirões, nada será feito, pois os habitantes dos grandes centros urbano não têm elementos de identidade, nem força anímica para resistir a um invasor que já lhes corrompeu a alma.