Será o nosso regime democrático? Se todos os cidadãos podem eleger os representantes políticos (que os representam?), haverá razão para que não possam eles mesmo ser eleitos para todos os cargos políticos electivos? Dispondo a lei fundamental (Constituição) de forma impeditiva quanto a essa possibilidade, não será altura de ela ser alterada? Quem o pode fazer são os partidos políticos através dos deputados que indicaram para ser eleitos. Alguma vez terão coragem de o fazer?
O nosso sistema político, resultante da revolução ocorrida a 25 de Abril de 1974 pressupõe a existência, como elementos fundamentais, de partidos políticos.
Nada de anormal essa situação teria se a vida política, como a conhecemos não fosse um exclusivo dessa classe política agrupada dessa forma em associações a que chamamos partidos políticos.
A forma como foi elaborada a Constituição da República Portuguesa imediatamente a seguir à revolução, restringindo determinada parte da vida política aos membros dos partidos foi o primeiro acto próprio de um regime que não é totalmente democrático.
Parece um contra senso, que um país que saiu de um regime ditatorial, tenha sido de imediato invadido por outro que agora, de forma regulamentada, através da lei fundamental, limita o exercício de algumas funções políticas, aos membros de determinadas associações.
Será que ainda faz sentido a limitação imposta pelo artigo 151.º da Constituição às candidaturas a deputados da Assembleia da República, reservando-as aos membros dos partidos políticos ou indicados por eles? Claro que não faz qualquer sentido.
Os cidadãos devem sê-lo por inteiro e se podem votar para eleger os representantes nos diversos cargos políticos, existe alguma razão para que não possam eles mesmo ser candidatos a ser eleitos para esses cargos? Francamente não encontro. Dir-me-ão que seria difícil depois de eleitos encontrar forma de constituir governo se por acaso os independentes fossem a maioria dos deputados eleitos.
O principal problema que se coloca e pelos vistos será o mais difícil de resolver é que para alterar essa norma constitucional terão de ser os deputados eleitos nas listas dos partidos políticos a propô-la. No fundo os partidos teriam de prescindir de uma prerrogativa constitucional que é sua para a alargar também ao povo de forma indiscriminada.
Esse é que é o problema principal. Embora ficasse bem aos nossos deputados terem o discernimento suficiente para analisarem a actual situação electiva do país que sistematicamente afasta cada vez mais portugueses dos actos eleitorais, parece que lhes falta a coragem para terem essa iniciativa.
E, quando o problema se colocar não faltará quem aponte dificuldades difíceis de ultrapassar e que por norma são motivo suficiente para nada se mudar.
A verdade é que já noutras alturas e a propósito de outros cargos, também se apontaram dificuldades para a implementação dessa regra que deveria ser a base do sistema político. No entanto, aí prevaleceu o bom senso e a regra foi implementada. Refiro-me às eleições para as autarquias (Constituição 239.º, n.º 4).
Que se saiba não houve nenhum problema funcional com a implementação dessa medida a nível local e até houve casos em que grupos de cidadãos obtiveram a maioria dos votos seja para as Freguesias seja para os Municípios.
É que, neste momento dos cinco órgãos eleitos directamente pelos cidadãos apenas um não pode ter cidadãos independentes como candidatos – A Assembleia da República. Que é precisamente aquele que tem a competência legislativa, isto é, faz as leis que regulam o funcionamento do país a que pertencemos. Pode haver candidaturas de independentes a:
– Membro da Assembleia de Freguesia
– Membro da Assembleia Municipal
– Presidente e vereadores da Câmara Municipal
– Presidente da República.
Não pode haver candidaturas independentes a:
– Deputados à Assembleia da República.
Será que existe algum impedimento à alteração da constituição de forma a permitir isso mesmo e a transformar o nosso regime numa democracia mais democrática?
Só depende dos partidos políticos que neste momento compõem o Parlamento pois são os seus membros que podem alterar a regra.
Não se trata de qualquer campanha contra os partidos políticos que todos reconhecemos desempenham um papel insubstituível em qualquer sistema democrático. No entanto esse papel não deve ser um exclusivo seu.
Como disse um conhecido sociólogo (António Barreto) numa entrevista que há tempos deu a um órgão de comunicação social, apenas cerca de 200 mil portugueses (os militantes de todos os partidos políticos) podem na verdade exercer todos os direitos constitucionais relativamente aos órgãos electivos.
Temos de reconhecer que é um número extremamente baixo no universo eleitoral português em que os eleitores rondam os 8,5 milhões.
Isto é: apenas 2,5 por cento dos portugueses podem ter a possibilidade de ser eleitos para todos os órgãos sujeitos a sufrágio.
Os partidos políticos com representação parlamentar têm de ser capazes de ter a coragem de tornar este regime mais democrático. Este é um desafio que, se o bom senso prevalecer, certamente serão capazes de superar.
Numa fase inicial da nossa democracia a restrição electiva aos membros dos partidos políticos até fez sentido. Tratava-se de uma transição entre regimes e, quem melhor que os partidos políticos para de forma organizada poderem fazer essa transição?
Porém decorridos quase 40 anos desde a implantação da democracia, quase tantos como os que durou a anterior ditadura, há muito que o sistema está estabilizado.
Quem defenda o contrário só pode estar esquecido daquilo que batalhou e bem (quase todos os partidos sem excepção) para eliminar os órgãos não eleitos que no inicio da revolução conduziram o país (Conselho da Revolução) submetendo todos os órgãos ao poder político.
Não passou já tempo suficiente para fazerem aquilo que antes achavam que era indispensável? Pois então façam-no, pois só vocês o podem fazer.
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«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
Citar quem quer que seja, que tenha produzido verdades inquestináveis, abona em favor de qualquer tese.
Por muito que se não goste deste ou daquele não é por isso que devemos ignorá-los.
Esta é uma das grandes virtudes do sistema que temos e que poderemos ainda melhorar como defendo no artigo.
A democracia permite que digamos, deste gosto e daquele não.
JFernandes (pailobo)
Citar o traste do António Barreto seja para o que for , não abona nada a favor de qualquer tese.
Esse que fique lá com a sua Fundação (que não foi extinta) e que todos andamos a pagar.O palhaço já não se lembra quando foi do PS? Porque não propõs isto, nessa época?