Não há dúvida que mudou o rosto da minha cidade. Alterou-se o centro. Cresceu a periferia. O pacato burgo de há décadas, aumentou, extravasou. Triplicaram as casas. Cresceram os negócios. Fervilharam estabelecimentos. Nasceram escolas. Reproduziram-se bancos. Chegaram e multiplicaram-se áreas comerciais. Mais recentemente, nasceu um centro comercial. Mas o crescimento foi interrompido…
Aqueles que se queixavam da fartura podem agora queixar-se da penúria. A emenda piorou o soneto. Terá existido cultura consumista? Talvez sim. Mas a abundância parece ter vindo a morrer em nada.
Mesmo que o crescimento não tenha obtido resultados ideais, nem sequer os desejados, como classificar agora os resultados desta míngua?
O centro comercial, obra magnânima de há dois ou três anos, já começou a desfalecer. Vê-se agora desprovido de agências de viagens, de lojas de roupa, de sapatarias, etc.
Pelas ruas da cidade, o comércio tradicional, ficou sem negócios de muitos anos e continuam a fechar lojas variadas, artesanatos, oficinas de concertos e até floristas.
Flores são flores, claro, mas quem ousará dizer que não são importantes? Onde encontraremos agora as flores para decorar, para perfumar, enfim, que alegrar as nossas casas?
Apenas as lojas de chineses parecem resistir a um encerramento mais geral e já há quem diga que até essas começam a fechar. Só mesmo as recentes lojas de compradores de ouro parecem viver um presente risonho. De resto são montras despidas e lojas vazias. Vão surgindo, com impacto novo, novos letreiros de arrendamento. Há avisos expostos que nos dizem adeus utilizando palavras bonitas que não deixam de ser palavras tristes. Que farão agora as famílias afectadas?
Tem sido assim. Tem sido uma perfeita revolução onde muitos nos sentimos esquisitos. As mudanças são comentadas nos cafés, nas ruas, nos bairros, entre vizinhos. Cada novo encerramento sabe-nos a perda comum, a uma perda colectiva. É a nossa qualidade de vida que se degrada, que se perde aos pedacinhos. Interpretamos assim a linguagem desta crise.
Ao fundo da minha rua meia dúzia de árvores faziam companhia a lojas e cafés. Estão, agora, sozinhas abanando, tristemente, neste inverno que se esgota. Parecem despedir-se quando oferecem as ramadas ao vento. Vão resistindo a intempéries apesar dos seus caules velhos e chiosos. Mas resistem! No entanto estão cada vez mais tristes, cada vez mais solitárias. Talvez a crise as não mate justamente por serem demasiado velhas. Mas estão magoadas e quase parecem chorar.
Com a proximidade da primavera virão noites mais quentes que trarão novas aragens às árvores velhas, testemunhas autênticas dos negócios antigos. O vento forte deixará de lhes torcer os ramos e já não lhes fará chiar os troncos. A brisa passará de gélida a fresca e apenas lhes sonorizará a folhagem. Os primeiros calores hão-de colher-lhes os odores e voltarão a cheirar a Primavera. Até a crise (que se manterá de certeza) será, por elas, perfumada.
Resta-nos, então, esperar que os poderes estabelecidos atenuem a nossa difícil situação, ainda que tenuemente, tal qual esperamos que a natureza perfume e amenize o ambiente da cidade durante a Primavera.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Caro Fernando Capelo, em poucas palavras fez o fiel retrato da Guarda, o qual se estende a todo o país. Esta imagem que enche de mágoa qualquer português, enche de satisfação os abutres nacionais e internacionais que agora têm o “lombo de vaca” a preço das “patas de frango”.
O desgoverno atingiu os seus objectivos, acabar com a produção familiar, acabar com o comércio tradicional e reduzir o emprego à precariedade.
Assim, criou as condições para alcançar a glória, “regressar aos mercados”.