Face à relutância de Portugal em acatar o bloqueio continental decretado por Napoleão aos navios com origem ou destino a Inglaterra, a diplomacia Francesa reúne em segredo com a Espanhola e convencionam invadir e retalhar o território Português. O verdadeiro intento de Napoleão era porém outro: arranjar pretexto para inundar a Espanha de tropas francesas e resolver tudo de uma assentada: destronar os Braganças do poder em Portugal, arredar os Bourbons da coroa de Espanha e subordinar a Península Ibérica.
O tratado, precedido de negociações, é assinado em 27 de Outubro de 1807 por ministros plenipotenciários: o general francês Michel Duroc, em representação do imperador, e o ministro espanhol Eugenio Izquierdo, em nome do rei.
Os seus termos estabelecem a divisão de Portugal depois de conquistado, ficando autorizada a passagem de tropas francesas pelo território de Espanha e a colaboração das tropas deste país.
Napoleão apresenta-se no texto do tratado como «Sua Majestade o Imperador dos Franceses, Rei da Itália e Protector da Confederação do Reno», e D. Carlos IV por «Sua Majestade Católica o Rei da Espanha». O objecto do acordo é desde logo inscrito na introdução, afirmando tratar-se de «regular por comum consentimento o interesse dos dois estados, e determinar a futura condição de Portugal, de maneira que seja consistente com a boa política de ambos os países».
E o território continental português resta assim retalhado, ao sabor dos interesses dos contratantes:
«A província de Entre Douro e Minho, com a cidade do Porto, se trespassará em plena propriedade e soberania para Sua Majestade o Rei da Etrúria, com o título de Rei da Lusitânia Setentrional». O Reino da Etrúria fora criado em 1801 por Napoleão no centro da península Itálica, com a capital em Florença. Seu rei, Luís II, era menor e a regência era assegurada pela mãe, Maria Luísa, infanta de Espanha (seria pois para ela o reino da Lusitânia Setentrional, em troca com a Etrúria, cujo território revertia inteiramente para o imperador dos franceses).
«A província do Alentejo e o reino dos Algarves se trespassarão em plena propriedade e soberania para o Príncipe da Paz, para serem por ele gozados, debaixo do título de Príncipe dos Algarves». Ora o Príncipe da Paz era o valido do rei de Espanha, Manuel Godoy, homem ambicioso que tudo concertava e decidia, sendo o mais fiel apoiantes de Napoleão no continente.
«As províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura portuguesa, ficarão por dispor até que haja uma paz, e então se disporá delas segundo as circunstâncias, e segundo o que se concordar entre as duas partes contratantes». Isto significava que a parte central do país e Trás-os-Montes ficariam nas mãos dos franceses, que capitaneariam a invasão, cabendo a Napoleão definir a seu bel-prazer o destino desta parte do reino.
Pelo mesmo tratado secreto a França comprometia-se a reconhecer o Rei de Espanha como Imperador das Duas Américas, aquando da paz geral, assim como proceder a uma divisão igual das ilhas, colónias e outras possessões ultramarinas de Portugal.
Há ainda uma convenção anexa, que determina a forma da «ocupação e conquista de Portugal».
Agindo nos termos do acordo, um corpo de tropas francesas com 26 mil homens entra em Espanha e marcha directamente para Lisboa, a ele se unindo 11 mil militares espanhóis, que avançam juntos. Fazendo parte da mesma manobra, uma divisão espanhola de dez mil homens ocupa a província de Entre Douro e Minho e outra, de seis mil, toma posse do Alentejo e do Algarve.
Para além das tropas invasoras, outro corpo francês de 40 mil homens se concentra em Bayonne, pronto a entrar em Espanha e marchar para Portugal, caso os ingleses ameaçassem com um ataque.
Junot, o general a quem coube por em prática o definido no tratado, manifesta-se crítico do mesmo, no que se refere relação com a tropa espanhola, disso dando conta nas missivas que envia ao seu soberano. Odeia os espanhóis e sabe que os portugueses também não morrem de amores pelos vizinhos peninsulares.
Prestes a entrar em Portugal queixa-se da falta de colaboração dos espanhóis no referente à alimentação das tropas e á orientação no terreno.
Já em Portugal, na marcha até Lisboa, maldiz a tropa espanhola que o acompanha: «só tenho comigo um regimento espanhol; prouvera Deus que não tivesse nenhum; é impossível ver algo mais mal comportado, mais indisciplinado e de maior atrevimento».
Chegado a Lisboa, questiona o verdadeiro interesse em manter o acordo com os espanhóis, manifestando-se pronto a rompê-lo: «A Espanha, que nos dificultou a marcha tanto quanto pôde, irá compartilhar aquilo que não nos quis ajudar a conquistar?». Ciente de que «existe entre os portugueses e os espanhóis um ódio impossível de extinguir», tudo fará para obter de Napoleão a ordem para excluir Espanha das responsabilidades de conquista e de administração do território invadido.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
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