Acelerando o passo, deixando para trás a artilharia e o demais material pesado, a vanguarda do exército de Junot passa Ciudad Rodrigo e embrenha-se nas serranias para atingir Alcântara, última escala antes de dar entrada em Portugal.
Chove a cântaros e nos pináculos dos montes a neve ladroa enregela os homens e dificulta-lhes o andamento. Mas a vanguarda não queda e arrasta-se pelas serras, atravessando-as a todo o custo. No dia 17 de Novembro chega extenuada a Alcântara. A soldadesca vem numa lástima: rota, descalça, fatigada e faminta.
Junot reclama a prometida ajuda dos espanhóis, que em Alcântara teriam que ter preparado um reabastecimento. Mas nada, o alcalde assegura-lhe que não recebera aviso e nada tem acautelado. Desesperado, o general ordena a junção de todos os mantimentos da cidade, exige que os fornos cozam pão, confisca e rapina o que pode. Consegue garantir apenas meia ração para cada soldado, mas sabe que lhes alivia o sofrimento e os predispõe a prosseguir a marcha.
O general espanhol Carraffa, que está incumbido por Godoy, o valido dos reis de Espanha, de acompanhar o exército francês na invasão de Portugal, garante a Junot alguns cavalos para remontar uma parte da cavalaria que já vem apeada. O próprio Carraffa, com alguns regimentos espanhóis, integrará a vanguarda e avançará com Junot por Portugal adentro.
Na madrugada de 19 de Novembro, logo que os clarins dão a alvorada, o exército põe-se em marcha e avança para a fronteira. Dos 26 mil homens que entraram em Espanha apenas oito mil ainda o acompanham. Tudo o resto está encalhado na serra, atolado no lodo dos vaus ou arrastado pelas torrentes. Homens e cavalos perderam a vida, outros ficaram caídos no solo ao redor das passagens, exauridos e moribundos.
É uma tropa fandanga que rompe por Portugal adentro em acto de conquista. Nunca na história nos entrara no território um exército invasor em tais condições de miséria. Qualquer regimento português faria frente e derrotaria esta caricatura do exército mais poderoso do mundo.
O general espanhol Carraffa, olha estupefacto para o magote de soldados, mais mortos que vivos, e nem quer acreditar ser este o temido exército imperial que vai tomar Lisboa.
Junot quer arregimentar guias, mas estranhamente não os consegue nas terras de Espanha que estão junto à fronteira. «O governador de Alcântara nem sequer sabe de que lado está a fronteira, apesar de estar a uma légua dela», escreve indignado ao imperador, mostrando o desespero em que se encontra. Tem que se servir dos seus próprios meios, e envia a cavalaria para descobrir os melhores caminhos e preparar a passagem da miserável hoste.
Passada a fronteira, duas brigadas seguiram pelo Rosmaninhal e outras duas por Salvaterra do Extremo e Idanha-a-Nova. Dividida, a tropa poderia alimentar-se mais facilmente nas terras por onde passasse.
Entretanto Junot manda espalhar nas aldeias e vilas portuguesas uma proclamação: «Habitantes pacíficos do campo nada receeis. O meu exército é tão bem disciplinado como valoroso. Eu respondo pelo seu bom comportamento. Ache ele por toda a parte o agasalho que lhe é devido como a soldados de Napoleão o Grande. Ache ele, como tem direito a esperar, os víveres de que tiver precisão; mas sobretudo o habitante dos campos fique sossegado em suas casas.»
Prometia punir todo o soldado que cometesse excessos, mas não deixava de ameaçar os campónios que se atrevessem a importunar os seus homens: «Todo o indivíduo do reino de Portugal, não sendo soldado de linha, que se apanhar fazendo parte de qualquer ajuntamento armado será arcabuzado. Todo o indivíduo convencido de ser chefe de ajuntamento ou de conspiração tendente a armar os cidadãos contra o exército francês será arcabuzado. Toda a vila ou aldeia em cujo território for assassinado um indivíduo pertencente ao exército francês pagará uma contribuição, que não poderá ser menos três vezes que o rendimento anual. Os quatro habitantes principais servirão de reféns para o pagamento da soma, e para que a justiça seja exemplar. A primeira cidade, vila ou aldeia onde for assassinado um francês será queimada e arrasada inteiramente.»
No dia 20, ao cair da tarde o general Delaborde chega com a dianteira a Castelo Branco. Acomoda-se no paço do bispo, que foi obrigado a recebê-lo, espalhando-se o geral da tropa por outras casas da cidade. Na tarde do dia seguinte, chega Junot ao dito paço episcopal, onde pediu dinheiro ao bispo e lhe exigiu a cedência dos cavalos e mulas que tinha ao seu serviço.
Nessa noite a soldadesca, rota e esfaimada, entregou-se à devastação e ao deboche, confiscando e aterrorizando. Foi o inferno.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com
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