Em Portugal, ensina Marcelo Caetano no «Manual de Direito Administrativo» (segunda edição, p. 177), pode dizer-se que os termos concelho e município são considerados sinónimos, sendo concelho a autarquia local que tem por base territorial a circunscrição municipal.
São várias as teses que historicamente fundam esta realidade institucional, sendo comumente aceite como dominante a que o filia no direito romano. Não deixando, todavia, de relevar o contributo do Código de Alarico, o Conventus Publicus Vicinorum, os Ajuntamentos da Cabilia.
O Município expressa-se através de órgãos de administração activa comuns que são a Assembleia Municipal, a Câmara Municipal e o Presidente da Câmara Municipal, pondo-se o acento tónico no segundo, o que em linguagem comum torna sinónimos as palavras município e concelho e ainda a expressão câmara municipal.
As pessoas colectivas de direito público – passamos agora a palavra a Diogo Freitas do Amaral, Manual de Direito Administrativo (Tomo II, páginas 617) – exprimem a sua vontade através de órgãos, com os quais as identificamos.
Os dicionaristas, por todos Frei Domingos Vieira, in Thesouro da Lingua Portugueza, põem o acento tónico no carácter histórico, atribuindo-lhes o significado de cidades do Lácio e da Itália e, mais tarde, de todo o Império, que viviam segundo suas próprias leis e costumes, ao contrário das colónias que se regiam por leis vindas de fora, normalmente da cabeça do Império.
O que pressupunha a existência duma câmara municipal, que legislasse para dentro. Isolado o termo câmara identifica-se para os dicionaristas como salão, divisão mais ou menos monumental de casa também de marcada monumentalidade. É a domus, de que falam cronistas e poetas:
De capa e volta, de calção e vara
Eu hei-de ir á casa do concelho
Falar ao senhor Alcaide, de voz clara
Dizer-lhe uma oratória que aparelho…
Assim, o salão dos dicionaristas, o vocábulo câmara, aditado de municipal, simboliza o próprio município de que é o orgão por excelência e generalizado entendimento.
Conclui-se, portanto, que não obstante as maiores ou menores dicotomias a que se pode chegar numa linguagem marcadamente cientifica, concelho, município e câmara se podem considerar palavras sinónimas no campo do direito administrativo – lato sensu…
Município, câmara municipal, concelho… assumem-se, pois, como instituições jurídicas que têm de comum o poder municipal… que simbolizam ou exercitam.
Instituições jurídicas no sentido em que Savigni, in La Ciencia del Derecho (Editorial Losada), lhes atribui, a vida depois plasma-as, não havendo surgido nenhum conflito quanto a direitos de personalidade, pois a pessoa colectiva, como unidade da vida social e jurídica, viu assim afirmada a sua própria individualidade.
O nome e órgão são um só.
E, para quem queira pôr em causa, com relevância no mundo do processual, aquela identidade, terá de objectar-se que, sendo o concelho ou município o agregado de pessoas residentes na circunscrição municipal com interesses comuns, prosseguidos por órgãos próprios, são estes órgãos que dão vida ao ser de sem eles inerte, que seria o concelho…
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«Caso da Semana», análise de Manuel Leal Freire
Grande polémica. Aproveito para dizer o seguinte: A Lei consegue por vezes alterar os costumes, mas dobra-se perante um costume que lhe resista, ou posterior contra-legem. Há muitos exemplos, como é o facto de o Presidente de Câmara ser um órgão. Pela letra da lei não seria, mas é-o de facto e de direito. Sempre defendi na minha muito modesta opinião que o costume é a fonte priviligiada do direito. Indo ao fundo das questões, até o acatamento da lei e da Constituição é um costume, que ninguém discute.
Prof,
Obrigado por vir a um assunto de tamanha importância e tão próximo e actual, sobretudo agora que tanto se fala em acabar com freguesias e alguns até acabar com concelhos – e levar tudo à frente, em nome de poupanças retorcidas, já que os BPNs, as PPPs, a banca em geral, nisso ninguém dos que podem quer tocar.
Depois de ficar contente por ver aqui este tema, fiquei também incomodado, por ter de discordar de si.
De facto, Prof., desculpe, mas tenho mais uma vez de divergir. Sem ofensa…
Fui aluno de Freitas e estudei por Marcelo, claro, naqueles idos de 71/72.
Mas li muito mais depois disso.
E não posso, em nome do que penso hoje, deixar de expor a minha convicção em três matérias, sem mais alarde do que o de discordar, ponto:
1ª – O presidente da câmara não é um órgão. Não é. Muitos deles procedem como se o fossem. Mas não são. Por todos e para acabar com, as dúvidas, leia-se simplesmente o artigo 250º da CRP, aqui: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. E isso faz toda a diferença. Um dia acho que voltaremos aqui.
2ª – Outra questão em que não me revejo no que escreveu: julgo que o concelho é apenas o elemento territorial do município, não podendo pois ser qualificado como instituição. Mas daí não advirá mal ao mundo.
3ª – Finalmente, mas muito mais importante: parece-me incorrecto mas sobretudo perigoso para a democracia fazer coincidir município e câmara municipal. Porque, repare-se: o município é a instância do poder local que tem como órgãos a não só a câmara mas ainda, e acima dela, a assembleia municipal, seu órgão deliberativo, onde todas as correntes políticas estão também representadas. Pretender esquecer isso é deixar de fora um órgão democrático fundamental que a CRP e a lei prestigiam.
Prof.,
Não leve a mal.
Este é apenas um contributo para fazer os leitores reflectirem um pouco.
Quis fixar estas ideias em comentário apenas com um objectivo: não deixar que os mais jovens se iludam e naveguem em equívocos em matéria de princípios. A clareza de ideias só lhes fará bem, se assim o entenderem.
Pascoais formula a sua teoria política precisamente sobre o municipalismo: O indivíduo nasce e cresce na família, faz-se cidadão no município , que é a agregação de varias famílias com certas afinidades num determinado território, o qual por sua vez teria uma representação numa assembleia nacional.