Captei, por estes dias, o tom esverdeado das águas do Côa.
O rio esvaía-se, silencioso, por entre o verde/velho dos prados envolventes. As folhas das árvores haviam esmorecido nas quenturas demoradas do Verão findo. Talvez por isso se levantasse, ao lado e sobre a corrente, um verde acastanhado, o verde das ramagens.
Verifiquei, então, o leito do rio guarnecido por alongadas fiadas de choupos entremeados de freixos cuja persistência da folhagem apenas se mantém enquanto garante a presença das cores outonais.
As águas vincavam o vale, ao fundo, um vale carismático e símbolo de horizontes ribacudanos. Enfim, o rio corria sob uma breve brisa que ondulava um mar de ervas resistentes e oriundas da Primavera sinalizado por árvores acastanhadas e sulcado por pedras cinzentas.
Sentei-me, assim, perante o rio, sem palavras, na pele de um visitante compulsivo.
Dentro em breve há-de celebrar-se o inverno ao longo das margens e do rio. O frio sobrevoará o vale. A chuva salpicará as águas. Os regatos e ribeiras farão crescer correntes. A neve e a geada pintarão tudo de branco e as águas engrossarão e seguirão como sempre.
Desejei nestes instantes de observação que o rio se mantivesse isento de poluições e que a mudança de cor nunca fosse outra que não a cor da invernia.
As margens do Côa sofreram, durante séculos, lavras e amanhos intensos mas regressam, hoje, a um emaranhado selvagem, um emaranhado que rejuvenescerá e enverdecerá o inverno e a paisagem.
Dou-me bem dentro destes tons de árvores sem flor, regadas por águas verdes que se amansam no Verão e se braveiam no Inverno. Cuido, assim, do meu intimo e julgo que, cuidar do íntimo, pode ser um dos objectivos da nossa vida.
Sei, portanto, dos segredos destes campos. Conheço-os bem porque já lhes percorri cultivos, matas e prados. Apraz-me encarnar num humilde embaixador destas paragens. Tento defini-las em palavras como se descrevesse um mundo, o meu pequeno mundo.
Estas imagens do rio chamam-me, também, para a ideia de conivência com o inverno que subirá e descerá o vale bordando-o de cores mais verdes.
Enfim, direi que conto, por gosto, o vale e o rio que enverdecem em mim, nesta época e todos os anos. Ambos me acompanham no meu encontro com o inverno, estação de que gosto muito depois de tantas vezes ter sido tocado pelas cores e pelos frios destes sítios.
Levo, então, comigo, quando vou e onde vou, estes lugares como se levasse quadros.
Não levo destas margens milhões de árvores como talvez levasse das margens de um grande rio mas, estas, são as minhas árvores, aquelas que o rio me oferece em sinal de amizade.
Dentro de alguns meses há-de abrir-se a Primavera em árvores e ervas renovadas, em flores novas e selvagens. As águas límpidas serão cercadas e o quadro florido e paradisíaco (de branco sobre verde) ficará completo.
Esta paisagem voltará a chamar por mim nessa época de renovo, quando chegarem Abril e Maio pintados de Primavera, raiados de sol morno e quando os pássaros jovens cantarem pela primeira vez os silêncios do rio.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Delícia, simples delícia duma escrita em que a alma está de todo empenhada no segredo das palavras. Poesia sim, se quiserem lhe chamarei prosa poética, mas repito, escrita deliciosa.
Leio os seus textos como quem bebe beleza.
São duma sensibilidade que aprecio.
Identifico-me com eles.
Nota-se, de longe, que são escritos com alma.
Sem artificialismos.
Apenas com um sentimento forte de quem vive o que escreve.
Escreva sempre, até que os dedos lhe doam.
Gosto … e muito !
Amigo Capêlo:
Não necessito dizer-te, tu sabes bem que os habitantes das grandes cidades vivem num estado permanente de esgotamento do corpo e do espirito e, não têm bens tão maravilhosos como o repouso e a quietude. Nós, homens e mulheres do interior, das Vilas e Aldeias, possuimos uma paz interior que não nos faz andar a correr de um lado para o outro. Hoje,ainda a luz do Sol era muito ténue, já eu passeava junto a um pinhal, sabes quais foram os únicos ruidos que ouvi? A ramagem dos pinhos que se agitava devido ao vento, o chilrerar e o bater das asas de algumas aves. Ainda temos estes bocadinhos de Paraíso aqui nas nossas terras.
Adeus.