Repetidamente vimos sustentando que a política é um serviço, não podendo e muito menos devendo profissionalizar-se.
O político tem de viver para a política – mas não pode viver dela.
O funcionário vive profissionalmente para a sua função e pode e deve viver a um nível razoável – a expensas dela.
Ora, no Portugal post-abrilino, verifica-se que os políticos, não vivendo para a Política, vivem dela… e muito acima do nível comum dos cidadãos.
Com vencimentos nalguns casos escandalosamente altos. Com pensões de reforma, obtidas em tempo mínimo e volume máximo. Com benesses dificilmente aceitáveis mesmo na Austrália das minas de ouro.
Para não falar já dos invisíveis de que tanto tanta gente fala e tanta coisa salta para a ribalta, mas que tão pouco se certifica, pairando no ar uma tremenda nuvem que ofusca a de todos os Junos.
Seria, pois, de toda a conveniência para a classe política que os seus membros dessem provas de não apego aos lugares, deles abrindo mão logo que circulem com alguma consistência determinados rumores.
Como seria salutar – para mais num regime que tanto se ufana do seu republicanismo – que se não estivessem a erigir autênticas dinastias políticas, com direito de sucessão alargado a descendentes por parentesco e afinidade, para não falar já do paraninfado de influências.
A lei que circunscreve a três mandatos consecutivos a possibilidade de candidatura a uma determinada autarquia assume, inquestionavelmente uma posição morigeradora.
E interpretada dando prevalência ao elemento histórico e à base lógica deveria impedir uma quarta candidatura do mesmo cidadão, independentemente de ser outra ou não, a autarquia almejada.
Impedir-se-ia assim o anichamento de uns, ao mesmo tempo que se abriam hipóteses a outros. Com uma dupla vantagem, pois…
Os políticos de profissão já anunciaram a ruptura com aquela restritiva interpretação. Luís Filipe Meneses, impedido, em qualquer interpretação, de se candidatar à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, anunciou já – e com sete tubas – ser candidato à do Porto. Fará, ou melhor, repetirá o cursum histórico – do Portus Calém Antiquus para o Portus Calém Novus.
Certamente que Sua Excelência é um prestante cidadão e poderá vir a ser um zeloso e zelador autarca. Por mim preferia vê-lo a exercer clínica.
Mas Sua Excelência prefere fossilizar-se na carreira política. E à falta de concorrente de peso equivalente, a vitória parece-lhe assegurada, com o risco de o Porto virar um enorme estaleiro. O poeta popular já faz vibrar a lira:
Dizem para aí que o Meneses
Que tem a sua graça às vezes
Daria um bom presidente
Mas
Fazendo o que a Gaia fez
O Porto de lés a lés
É terramoto iminente
Objectar-me-ão que pior do que o tremor de terra ou o maremoto é a inércia. Mas o Porto já sofreu o iconoclasta martelo do Rio e a fúria das suas enxurradas.
De qualquer modo, Meneses avança para um reinado. E para construir uma dinastia, tendo já conseguido no Parlamento assento para o filho…
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«Caso da Semana», análise de Manuel Leal Freire
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