Face ao reconhecimento da Capeia Arraiana como Património Cultural Imaterial, coloca-se com acuidade a questão de saber o que fazer para tirar partido dessa nossa tradição, quão genuína como original, exclusiva das nossas terras mais chegadas à fronteira com Espanha.
O processo, liderado e financiado pelo Município sabugalense, foi inegavelmente meritório, mas o seu resultado não deve ser no fim da linha. É agora urgente equacionar a forma de aproveitar o potencial da nossa tradicional tourada com forcão.
Fernando Lopes, ilustre colaborador deste espaço, já tocou na ferida, balizando o que é uma capeia arraiana. Em sua opinião, para o ser de facto, deve cumprir-se todo o ritual tradicional que lhe está associado: encerro, toiro da prova, pedido da praça, tourada com forcão e desencerro.
Mas algumas questões se colocam, como a da presença «nociva» de motociclos, tractores e outros veículos motorizados na condução dos toiros para o curro (o encerro), que assim se descaracteriza.
A capeia é um jogo com o toiro bravo, que investe no forcão, atrás do qual os pegadores se protegem.
Mas, sendo tourada, está-lhe inerente uma inevitável dificuldade de afirmação, atendendo às constantes e ferozes campanhas contra este tipo de espectáculo. Neste campo há que afirmar a capeia como uma tradição popular onde a violência para com o animal está erradicada. E nisso houve um percurso que importa assinalar, pois vão longe os tempos das «garrochadas», quando o público picava violentamente os toiros que se aproximavam das «calampeiras», ou quando os «galhos dianteiros» manejavam o forcão munidos de aguilhadas, com as quais feriam os animais no momento da investida.
Qualquer atitude que possa ser considerada resquício de violência gratuita para com o animal deve ser suprimida. Falamos aqui de factos que ocorreram neste verão, como puxar, em plena praça, um toiro atado a um tractor, ou picá-lo com aguilhão eléctrico para que, após a lide, tome o caminho do curro. A saída da bezerra, que nalgumas terras ainda vem à praça, para gáudio dos mais novos, gera facilmente momentos de desagrado provocados pelos que não se contêm e agarram o animal, sujeitando-o.
Para além do tratamento para com o toiro, há outros aspectos que importa avaliar, como o uso crescente de grades de metal no fecho das praças improvisadas. Vimos algures uma ideia interessante, que foi a cobertura do ferro das grades por madeiras (costaneiros), que lhe eram aparafusadas. Para quem vê, o aspecto é tradicional, ao mesmo tempo que se garante uma maior segurança. Outra boa prática é recuperar e conservar alguns carros de vacas antigos, para com eles se fechar a praça, como se faz ainda em Aldeia Velha.
Um elemento que importa garantir é a presença do «tamborleiro», que com os seus rufos característicos marca as várias fases do espectáculo. Outro ritual a recriar é o do «passeio dos mordomos» e o «pedido da praça», com o uso das alabardas e da bandeira, em respeito com as usanças de cada terra.
Há ainda uma abordagem que é fundamental: como fazer da raia sabugalense o «Algarve das Beiras» – na feliz expressão do nosso colaborador António Pissarra. Sabemos que assistir a uma capeia no mês de Agosto não é tarefa fácil para quem nos visita. Tirando a possibilidade de ir onde exista praça ou redondel, nas restantes aldeias assistir em pleno a uma capeia é aventura de quase impossível execução.
Face ao facto, a questão que se coloca é a de saber se há interesse em realizar nas praças existentes umas capeias suplementares, para «turista ver», ou se isso é, afinal, descaracterizador da genuinidade do espectáculo?
Há ainda uma questão recorrente: deve o manejo do forcão cingir-se às nossas terras ou é desejável que viaje pelo país e pelo estrangeiro exibindo a nossa tradição? Considerando a segunda hipótese, sob que regras e em que condições isso pode ser garantido?
Anunciaram-se para o presente mês de Outubro, nos dias 19 e 20, umas jornadas de reflexão e debate intituladas «Pensar a Tauromaquia em Portugal», que se realizarão no Sabugal. A iniciativa, accionada e paga pelo Município, é oportuna e coloca o Sabugal no eixo da análise às mais variadas formas tauromáquicas tradicionais, mas o que mais importa é colocar à discussão pública a própria Capeia Arraiana.
O Capeia Arraiana há muito que dá nesta matéria um precioso contributo. Tem sido a partir desta tribuna que pensadores como Manuel Leal Freire, Adérito Tavares, Esteves Carreirinha, António Pissarra, António Cabanas, José Manuel Campos, João Aristides Duarte, Fernando Lopes e João Valente, entre outros, analisam temas como as origens da capeia e a sua caracterização como tradição popular e aventam ideias acerca do seu aproveitamento como força motriz da afirmação das nossas terras.
Uma reflexão que certamente continuará e para a qual este espaço está aberto.
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«Contraponto», opinião de Paulo Leitão Batista
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Capeias para turistas não, pois assim se perde um pouco da tradição das capeias da raia sabulense.
Penso também que as capeias arraianas não devem sair do seu local de origem, pois assim, como já aconteceu, o forcão ficar na terra onde foi feita a demonstração e as pessoas da mesma terra brincarem com o forcão, desvalorizando a Capeia Arraiana! Existem outras maneiras de promover a nossa tradição!
José Nunes
Então como vamos preservar a capeia como património se continuamos a deixar dezenas de motoquatro e tratores a desvirtuar essa tradição?