Como escrevemos em artigo anterior a classificação da Capeia Arraiana no registo do Património Cultural Imaterial foi um passo importante para a preservação da sua identidade, mas isso não basta. É preciso acrescentar-lhe valor de modo a ser fator positivo contra o despovoamento.
Felizmente que na atualidade existem as redes sociais, a blogosfera, os sites, se democratizou o acesso a meios para recolha da imagem fixa e em movimento… Enfim, qualquer cidadão deixou de ser um mero consumidor para passar a ser também um produtor de informação, aquilo que se convencionou designar por Web 2.0, consubstanciada no conceito de prosumer (produtor/consumidor).
Podemos concluir que, das mais diversas formas, a capeia arraiana tem a sua divulgação assegurada. No entanto, no imenso «matagal» de informação, há, por vezes, dificuldade em selecionar a informação relevante daquela que é inútil ou mera opinião não escrutinada. Não é o caso deste blogue que procura cumprir com os princípios do jornalismo, seja ele expresso em que meio for.
A capeia arraiana «não nasceu ontem». Contudo, o Mundo mudou muito nas últimas três ou quatro décadas e a nossa região não foi excepção. Recordam-se certamente os da minha idade, e um pouco mais velhos, alguns mais novos também, que quase todas as aldeias tinham escola; que as discotecas Poço, Teclado, Upita, da Vila do Touro… estavam sempre cheias, ao fim de semana e principalmente no Verão. Até na Colónia Agrícola vingou um estabelecimento do género. As escolas secundárias do Sabugal e da Guarda e o próprio Instituto Politécnico estavam cheios de jovens que haviam cursado o primeiro ciclo do ensino básico nas respetivas aldeias. Pois é, hoje são cada vez menos. As escolas fecharam. Sou contra o modo radical como fizeram a reorganização escolar no concelho, nomeadamente quando há cerca de uma década destacava na primeira página do «Nova Guarda» a reabertura da escola da Nave por haver mais de 10 crianças. Nasceram os lares e são cada mais aqueles que embora sejam do concelho, por cá terem o seu sangue, nasceram um pouco por toda a geografia nacional e noutros países, com destaque para a Europa.
O que mantém a ligação à Raia? Quase todos são unânimes em reconhecer o papel da Capeia Arraiana. Essa marca de identidade que distingue um arraiano de qualquer outro cidadão do Mundo. A capeia não é, portanto, só uma manifestação de cultural regional. É muito mais e pode ser muito mais e, nesse aspeto, gosto de ser pragmático. É que a Raia, as suas gentes, a sua economia, o seu desenvolvimento ou definhamento, não se pode resumir só ao mês de agosto, esse tempo de encontro com a tradição e os amigos que nos enche e reconforta a alma. Quem por aqui vive precisa de ter recursos para viver com dignidade, sem ter que partir.
É certo que todos reconhecemos as implicações económicas que a capeia tem, pelas razões atrás apontadas: na construção civil, no comércio, em geral, e na agricultura e venda de produtos regionais… e tantas outras atividades.
Os tempos são de crise e organizar a capeia não é propriamente barato. Apesar da boa vontade é cada vez mais difícil angariar fundos para pagar as despesas, fundos que, normalmente, saem dos bolsos dos cidadãos de cada localidade (por exemplo em Aldeia Velha cada rapaz solteiro contribui com 80 euros para o Rol). Assim, deixo aqui algumas sugestões, envolvendo uma possível Associação da Capeia, sem fins lucrativos, para ajudar a economia da capeia e não só, fazendo com que os visitantes também dêem algum contributo que não só nos bares.
Uma das ideias passa por criar um passaporte da capeia, com eleição do capeeiro-mor, envolvendo o pagamento de um euro por cada carimbo colocado em cada encerro, em cada capeia, em cada garraiada, etc. O dinheiro seria distribuído em função dos carimbos obtidos por cada evento.
Outra sugestão vem na sequência das referências anteriores sobre a mudança da matriz social, cultural e demográfica e passa por criar um grande festival de verão, que designo por «Rock in Raia», o qual poderia ocorrer durante quatro ou cinco dias, envolvendo o Festival do Forcão e algumas capeias, com serviço de autocarros da «aldeia do rock» para as capeias e encerros, juntando, assim, a tradição com a modernidade, trazendo mais gente a animar a economia local e a venda de produtos regionais e de merchandizing relacionado, numa matriz musical de cunho marcadamente ibérico. Vários amigos meus sabem que é uma ideia que me povoa a cabeça há já alguns anos e que, inclusivamente, apresentei na Câmara do Sabugal.
Para já deixo estas reflexões, com a certeza de que pensamento sem ação não passa de mera teoria. Apresentarei futuramente mais algumas sugestões e procurarei ter alguma iniciativa com quem quiser colaborar, com a certeza de que nada se faz sem muito trabalho e amor à causa.
p.s.: Não posso deixar de realçar aqui a organização da Jornadas sobre tauromaquia a decorrer no dia 19 e 20 de outubro. Quando tantas vezes criticamos a falta de iniciativa, devemos recordar que estes eventos e a classificação da capeia como Património Cultural Imaterial, também não aparecem ser trabalho e proatividade.
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«Raia e Coriscos», opinião de António Pissarra
Esta crónica levanta uma questão central para o no futuro da Capeia.
É uma questão que me vem preocupando e que me levou a escrever uma crónica com o título “Capeia Arraiana, um novo desafio”, publicada em dezembro de 2011.
Dela retiro a seguinte parte: “Mas se este é um momento de alegria e de sentimento do dever cumprido, este é também um passo que desafia a nossa capacidade em afirmar este acontecimento único, sabendo responder à previsível maior atenção que todos lhe vão dar.
Quero com isto dizer que, não deturpando a “capeia”, temos de encontrar novas formas de conjugar a pureza e a tradição, com formas inovadoras de captação de novos entusiastas.
É um desafio que toca todos, desde as Comissões Organizadoras de cada terra, às Juntas de Freguesia, à Câmara Municipal e à Casa do Concelho do Sabugal.”
Infelizmente este meu alerta parece ter caído em saco roto.
Mas que é a altura de, todos, pensarmos como queremos potenciar o reconhecimento da capeia como património cultural imaterial, isso é…
Sim… mas com muito cuidado, para não adulterar a tradição.
Não tem nada que ver. De qualquer modo a Cultura também é uma indústria e são muitos os países que fazem uma aposta séria na economia cultural. A Língua também também pode ter uma forte componente económica. A mim incomoda-me mais ver ‘demonstrações’ do forcão por toda a parte e mais alguma. O forcão é só uma parte da envolvência cultural da capeia que também tem um enquadramento geográfico. Como devem saber, na atual configuração, a capeia não é um acontecimento barato, que é pago pelos cidadãos de cada aldeia. Por isso muitos forasteiros não compreendem que não haja lugar, que lhes digam que aquele ‘palco’ é ‘nosso’… Afinal, trata-se do ‘folguedo’ de cada terra, onde mesmo os da terra que não colaboram têm coragem para, por exemplo, ‘correr os bois’, quanto mais os de fora. A capeia continuará a ser uma manifestação de cultura popular, mas, uma vez que as pessoas vão aparecendo cada vez mais, não custa nada arranjar soluções para, em tempos de crise, garantir a sua viabilidade. Acabou-se a fronteira, acabou-se o contrabando, as pessoas partiram, fecharam as escolas… Penso que quem ficou tem direito a viver com dignidade ‘potenciando o que é seu’. Ninguém falou em empresas.
Contudo, vejo algumas destas propostas com algumas reservas! Eu diria, com muitas reservas!
A capeia não é o produto que faça parte do portefólio de uma empresa, mas um produto cultural. O puro critério de Marketing, aqui é perigoso!
são boas sugestões..
Sem dúvida alguma, opinião pessoal, as vezes que eu vi esta cidade e este Concelho mais cosmopolitas, mais ligados ao Mundo, foi através da música Rock, jamais esquecerei grupos e concertos que nos trouxeram uma precoce Globalização.