Um dia, apareceram no Vale da Senhora da Póvoa uns homens engravatados a dizer na tasca, em voz bem alta, que queriam comprar volfrâmio, e toda a quantidade que houvesse…

O Ti Valdemar Carolo (nome fictício), de qual já aqui falei noutra crónica, terá dito que tinha muito dessa coisa. Isso gerou uma mudança total na vida dele: vendeu as cabras e começou a extrair sozinho o tal minério para aqueles clientes certos. Era só ir aos buracos, apanhar, carregar os alforges do macho e as cangalhas de dois ou três burros que entretanto comprou e guardar no palheiro, fazendo cagulo, repetindo o mesmo vezes sem conta…
E o dinheiro começou a entrar na vida dele em grande quantidade! Às carradas…
Mas que fazer com tanta nota de mil escudos, se não havia onde as gastar, ou seja, se não havia «coisas» para comprar?
A primeira viagem grande que fez foi a Penamacor ao dentista. Combinou com ele arrancar toda a dentadura, a de cima e a de baixo, cravelhas incluídas, e botar dentuça nova, mas em ouro do amarelo!
Tanta nota tinha, que até deu para forrar a parede interior de taipa da casa. Aquilo dava para tudo, até para limpar o rabo! Isso de se limpar com pedras e ervas já era coisa do antigamente! Algumas notas dessas de cem escudos, do Pedro Nunes, apareceram mesmo na Fonte Santa, no Lameiro e na Serrinha. O povo então dizia, quando por aqui e além encontrava emplastros cobertos de mosquedo:
– Olhem, o Ti Valdemar passou por aqui… esteve ali a baixar as calças!
Era até uma forma de alguns também lucrarem com a fortuna dele, por que o bom do nosso homem, à falta de melhor prás limpezas, servia-se das notas que lhe pingavam dos bolsos!
Estou a imaginar o Ti Valdemar a entrar nas duas tascas do Vale de Lobo e sorrir sem motivo, só para todos verem o «corta-palha» novo e amarelo, brilhando com a luz mortiça das candeias d’azeite!
Num outro dia, ouviu num rádio de válvulas, comprado na Feira de Santo Estêvão, um insistente reclame das canetas Parker 51, muito na moda naqueles anos…
Por que não comprar uma, se havia carcanhol para isso à barda?
Inabanão põe-se a caminho de Castelo Branco, entra numa loja e pede uma dessas tais canetas Parker 51. Que não havia, ainda não tinham chegado à cidade, ter-lhe-à dito o comerciante. Cheirando-lhe a pateguice, informou que tinha uma de outra marca, melhor e mais cara. Por 10 notas (ou seja mil escudos) vendia-lhe uma. Era uma caneta daquelas das feiras, rafeirosas, levantava-se uma mola com a unha que apertava dentro uma borrachinha cheia de tinta e borrava de imediato os dedos, as mãos, o bolso, a camisa… tudo!
Foi essa mesma que ele quis. Pagou e lá foi de volta para o seu Vale de Lobo, onde a mostrou a todos! Na rua prendia-a no bolso da camisa, mas com a dita do lado de fora! Mas para que queria uma caneta, se nem ler e escrever sabia!
Mas que ganda matarruano!!!

«Estórias de um filho de Vale de Lobo e da Moita», crónica de José Jorge Cameira
Adoro as “estórias” do Jorge, até porque elas têm muito de verdadeiro, ou melhor, a “base” é toda de verdade.
No tempo do minério como a Ermelinda conta, muita gente mesmo enriqueceu – a minha terra, o Vale da Senhora da Póvoa é prova disso…muito volfrâmio havia naquela Serra D’Opa…e um vizinho meu, apenas e só se deslocava para onde quer que fosse de taxi e de fato, gravata e gabardine…naquele tempo era um “must” – seja lá isso o que for!!! Morreu na miséria o infeliz…mas enquanto o minério durou, a farra dele também!!!
ainda hoje há por aí aos pontapés matarruanos de caneta no bolso, sem saber ler nem escrever, e a esbanjar notas… algumas ganhas sabe Deus como….
Gostei de ler a estória do Ti Valdemar Carolo, estórias engraçadas que povoaram a nossa meninice e que sem elas não seria a mesma coisa…
São estórias que todos nós, por essas bandas ouvimos contar… Na minha aldeia também se contava que havia alguém que havia enriquecido de uma hora para a outra com o volfrâmio, minério, diziam… e que até acendia o lume com as notas ou fazia cigarros com elas, pois eram tantas!!