Hoje fala-se da Europa das Regiões. Ao tempo da sua construção e nos mil anos que se seguiram, era a Europa das Monarquias.
O primeiro reino a estabilizar-se na nova ordem e que há-de durar milénio e meio – os historiadores falam dos quarenta réis que em tão dilatado período a erigiram – foi a França.
A grande gesta começa no baptismo de Clovis por outros chamado Clodoveus, trazido à fé de Cristã por São Remígio, arcebispo de Reims, cidade ainda hoje célebre pela sua catedral.
Carlos Magno, São Luís, Filipe o Belo, Luis XIV, Luis XVI, Napoleao, Luis XVII!, os cristãos e os hereges, os momentos de grandeza e de desânimo, tudo ali se filia.
Aliás, Clodoveus como Caros Magno, mais do que cabouqueiros da simples França foram-no de todos os estados da Europa Central, nomeadamente da Alemanha, da Bélgica, da Holanda, do Luxemburgo… De resto, ao tempo, as fronteiras mantinham-se imprecisas e a Germânia simbolizava toda uma vasta região.
Clotilde, a santa mulher de Clovis, era uma princesa burgunda. Pois a Burgundia estava dividida em dois reinos, com capitais, respectivamente, em Viena e Genebra.
A vocação cristã da França, na bela imagem de Lacordaire ou o seu génio do Cristianismo, para se usar o título devido a Lamartine, como toda a Gesta Dei per Francos, radica efectivamente naquela cerimónia batismal.
Na Inglaterra e nos extremos últimos da Germania, onde a cristianizacão foi obra de monges, só com a instituição de monarquias cristãs, os povos ganharam dimensão nacional. Tal como a Península Escandinava se moldou politicamente através das suas monarquias.
O mesmo sucedeu para além dos limites do Império. Partindo de Hamburgo, os missionários aportaram à Escandinávia, cristianizada por réis que foram santos ou receberam nomes de profunda influência religiosa: Cristiano tornou-se comum entre os membros da casa real da Dinamarca, Suécia ou Noruega, persistindo ainda nos nossos dias, ao lado de Olavo, este a radicar mesma em monarca elevado à dignidade dos altares. A Boémia, que por longos anos foi monarquia independente, deve-se a dois grandes missionários, também eles canonizados, São Cirilo e São Metódio… O mesmo sucedeu à Morávia e à Polónia, ao Montenegro e à Servia, à Bulgária e à Ucrânia… De resto, os nomes mais em voga naquelas regiões rememoram os monarcas que delas fizeram reinos: Boris, Vladimiro, Estêvão, Venceslau, Simeão, de parceria com as variantes lacais de João e José – nomes bíblicos – e Carlos ou Alexandre – nomes heróicos…
O mosaico de estados tem variado profundamente, excepções feitas a Portugal e a França, secularmente estabilizados. A Rússia, a Alemanha e a Jugoslávia testificam-no. Na primeira, cabem mais de cem nacionalidades e mesmo só na sua dimensão europeia, canatos e reinos abundaram. Na Alemanha, há quatrocentas famílias que descendem de reis de outros tantas países. O drama jugoslavo é por demais conhecido.
A nós, interessa-nos, sobretudo, o que se passou aquém Pirinéus, onde passaram os vândalos, deixaram sólidos vestígios os suevos e se fixaram os visigodos.
Aqui, depois de uma autêntica guerra religiosa que atirava uns contra os outros os próprios membros da família real, dá-se a conversão de Recaredo. E, como acontecera em toda a parte, a conversão do soberano e das mais altas figuras do Reino ao catolicismo, terá também na Espanha consequências decisivas.
Começa a fusão das raças, a unificação do direito, a criação dum verdadeiro espírito nacional, temperado embora pelo cristianismo de sua essência universal. A fé com efeito tudo domina. E até os réis, para o serem, precisam de um novo sacramenta, a unção.
Toledo torna-se o símbolo da nova realidade e da nova realeza. Os seus concílios volvem-se permanentemente fonte de direito e de aperfeiçoamento da fé e dos costumes. E ao monarca passou mesmo a chamar-se oitavo sacramento da nação. De Recaredo a Rodrigo, morto nas margens do Crissus, ante a invasão berbera, há uma notável pleíade.
E, quando das furnas cantábricas emergir o levantamento contra o árabe que a traição de uns e a cupidez de outros permitiu se instalasse na Península, são ainda descendentes de Recaredo quem dá o grito de insurreição, comanda a guerrilha e obtém as primeiras vitórias que, todavia, só se consumarão quando Gonçalo de Córdova, às ordens de Fernando e Isabel, outros dois descendentes de Recaredo, expulsar de Granada, Boabdil, descendente de Mafoma.
Mas, aquém e além Pirinéus, os Monarcas reconhecem, mesmo que, contra a vontade, o primado espiritual e até institucional da Igreja.
Não é outro o significado da coroação, através do cerimonial da sagração.
O monarca, para o ser (e assim sucedia entre os francos e os visigodos, os celtas e os britânicos), tinha de receber a unção da parte dum legado pontifício, em regra o bispo do local.
Este submisso ajoelhar de quem tudo passa a mandar, com direito de vida e morte até sob os súbditos e como dono único das riquezas que podia dar e confiscar, ante um prelado tantas vezes obscuro, simbolizava bem que no seu mosaico de reinos a Europa se afirmava como unidade espiritual.
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«Politique d’Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire
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