A primavera que anuncia a floração da Europa é, escreveu Daniel Rops, o tempo das altas naves góticas, do Pórtico Real dos Chartres, das fachadas de Reims, dos vitrais da Santa Capela e dos frescos de Gioto; é o tempo em que se erguem, paralelamente aos edifícios de pedra e desafiando com eles, os séculos, as catedrais de sapiência que são a Mística de São Bernardo, a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, as Canções de Gesta, a obra filosófica de Roger Bacon, os grandes poemas de Dante, o altíssimo poeta…

É ainda o tempo que, religiosas e laicas, nascem as instituições que servirão de base às gerações futuras, quer se trate do Conclave dos Cardeais, do nascimento do Direito Canónico, ou da instituição da nova Realeza…
Daniel Rops, acrescenta: Notável fecundidade; no longo transcurso da história, apenas os séculos de Péricles, na Grécia, ou de Augusto, em Roma, podem rivalizar, em poder de criação, com este lapso de tempo que vai de Luís VII de França à morte do seu bisneto, São Luís ou da eleição de Inocêncio II à de São Celestino…
O corpo e alma da Europa aparecem assim retratados e identificados com as realizações no plano material e moral levadas a cabo naquele período histórico que se tem de considerar autenticamente o de fixação da ideia de Europa. O que esta significava, revela-no-lo o mesmo Daniel Rops, ao descrever os frescos do convento dominicano de Santa Maria Nova, em Florença. Trascrevamos:
No primeiro plano, encontra-se o Papa, de pé, revestido duma serena majestade, como visível representante dos poderes do Alto. Junto dele, o imperador, que poderíamos julgar seu igual, se a cabeça de morto que tem na mão não estivesse ali a lembrar que os domínios da Terra são caducos, ao passo que os do Céu se revestem do cunho da eternidade. De cada um dos lados, estão alinhados, numa perfeita hierarquia, os cargos religiosos e as dignidades laicas: cardeais, bispos e doutores, à mão direita; reis, nobres e cavaleiros, à mão esquerda. Na parte inferior vê-se o inumerável rebanho de fiéis e súbditos – os ricos e os pobres, os piores e os melhores, todos aqueles que, sem se darem conta, construíam a Igreja, a Civitas Dei e a Civitas Hominum.
O direito divino dos Reis conferia-lhes obrigações. A primeira era desde logo a ¬ do acatamento do poder, necessariamente situado acima do que aos soberanos meramente no foro terrestre fora conferido.
O Papa, mesmo quando se intitulava servus servorum Dei, ou seja o mais humilde dos cidadãos do Universo, não abdicava daquele princípio de superioridade.
Fomos colocados por Deus acima dos reis e dos povos e temos a obrigação…
Era o peso das chaves de São Pedro.
Unificada pelos ensinamentos da Igreja e a suprema autoridade papal, diferenciada nas suas diferentes parcelas pelo maior ou menor influxo da romanização sobre as populações aborígenas ou pela maior ou menor fixação dos bárbaros, oscilando entre o jus gentium e o direito germânico, a Europa ia lançando as bases duma civilização que, herdeira da tradição greco-latina, mesmo das concepções vindas da China e da Índia, da Pérsia e do Egipto, e não enjeitando posteriormente os contributos vindos de todos os demais povos com que contactou, se demarca, apesar de tudo, pelo humanismo.
Nesta evolução tiveram lugar de relevo as dioceses.
Vejamos a sorte do próprio termo que no grego «Diookesis» queria dizer administração, por derivado do tema verbal «Diokeo», eu administro. Nome dado às circunscrições ou províncias estabelecidas na Ásia Menor pelos romanos, passou a generalizar-se, com as reformas de Constantino, a todas as subdivisões do Império, à frente das quais se colocava um vigário.
Esta palavra sugere desde logo uma ideia de substituição, de pessoa abaixo de, mas que age em representação daquele que lhe está acima.
Mais tarde, a Igreja aproveitou a terminologia imperial para a sua organização de base territorial.
Até por isto se nota a transição do Império para a Igreja na construção e condução da Europa.
:: ::
«Politique d’Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire
Mestre Leal Freire:
Que bom seria se a Igreja, no actual momento histórico, ajudasse a construir uma Europa de países e povos solidários, em que a Justiça prevalecesse sobre o grande capital desumano e corrupto. Os pobres, os desempregados, os que ofrem no corpo e na alma as vicissitudes de um regime político desumano, ficar-lhe-iam agradecidos e passaria a tê-los dentro do seu seio.