Uma elevada percentagem de juristas, essencialmente de advogados de barra, se vem sucessivamente sentando, e assentando, nos cadeirões dos parlamentos portugueses – e damos ao termo a sua maior abrangência, conglobando nele as cortes e as mais simples assembleias comunais – no quase milenário transcurso do nosso sistema representativo.

Do Chanceler Julião aos nossos dias, passando por Fernao Lobeiras, porta-voz com outro Fernão, mas este mesteiral da plebe lisboeta na oposição ao casamento de Dom Fernando com a barregã Leonor de Teles.
Por João das Regras que vingou a morte ignominiosa daquela, concitando ao levantamento geral contra as pretensões da adúltera.
Por Febo Moniz, que tentou manter aceso o patriotismo português, mas foi vencido pelos burros carregados de prata, com que Filipe II, recordado do exemplo de um outro Filipe, o da Macedónia, adormeceu a consciência do nosso conselho de governadores.
Por Estêvão Malagrido, irmão do frade que o progressista Sebastião José mandou queimar, como já imolara pelo fogo os pescadores da Trafaria e de Monte Gordo.
Pelos grandes formuladores reformadores e reformuladores das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.
A João Camoesas, mais célebre pela bexiga que pela oratória.
Às Águias de Aveiro e do Marão, esses sim imortais na arte de Demóstenes, não descurando, obviamente, os interesses dos povos que os mandatavam.
Aos legistas com lugar nas Cortes Gerais e nas demais grandes e pequenas assembleias, que nunca esqueceram os deveres de solidariedade para com os seus colegas de formação. Dando, em todas as ocasiões, mesmo nas mais difíceis, testemunhos impressionantes dela.
Com o advento da chamada democracia representativa, ao contrário do que a terminologia sócio-política inculca, os representantes, se já só mui debilmente se sentem obrigados para com os povos que os elegeram, parecem cortar, pelo simples acto da investidura, todas as obrigações para com os seus companheiros de classe profissional.
Só assim se pode entender que entre os advogados eleitos deputados desde a CONSTITUINTE até agora, e já são largas dezenas, nenhum tenha tentado inverter, ou no mínimo travar, o declínio da condição de advogado. Pessoalmente, não sentirão o drama.
O ESTATUTO DE DEPUTADO, extremando-os da penúria geral e garantindo-lhes uma respeitabilidade a toda a prova, põe-nos a coberto das dificuldades gerais.
Pela reforma antecipada e financeiramente de privilégio.
Por um volumoso subsídio de reintegração na vida activa, embora nada tenham perdido, em clientela, antes pelo contrário, com a chegada ao Parlamento.
Pelas conesias que acumulou com o cargo – e não carrego – de deputado, como são as de provedor disto e daquilo…
Suas Excelências não sentirão na pele ou na alma as agruras por que passam os ex-colegas de profissão que se não amesendaram nas benesses da Política.
Mas que têm o direito moral de exigir um pouco de solidariedade.
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«Politique d’Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire
Do João Camoesas, neto do outro, tive eu a honra de ser grande compincha. Mas este era célebre pela sede, pela bexiga e pela oratória… Episódios célebres que ficam da juventude!