Quando conto as minhas façanhas de contrabandista, não escondo que fui filado alguma vezes pelos guardas, naquele jogo de gato e rato, mas garanto-lhes que nunca fiquei preso nem fui por isso levado à Justiça.
Quando comecei a embrenhar-me nas lides da candonga, ainda galfarro, passei muitas dúzias de ovos para o lado de lá da raia, trazendo de volta azeite, pão, galhetas e outra mercearias para gasto caseiro. Ora os ovos, que se vendiam a bom preço em Espanha, eram carrego que exigia muito careio no transporte, pois quebravam-se com a maior facilidade, causando grande perca.
Um dia, manhã cedo, passava a as poldras da ribeira, preocupado em não escaqueirar os ovos que traguia aconchegados numa cesta de vime, que transportava ao ombro. Empenhado na passagem a pé enxuto, nem dei fé no guarda fiscal que, de manso, se aprochegou e me esperou na borda.
– Alto lá, rapaz. Estás apanhado. Larga a carga!
Surpreendido pensei instintivamente em me escapulir. Mas, reflectindo melhor, achei por bem dar-me por vencido, não fosse o diabo tecê-las, que o guarda podia fogachar.
– Foi bem pregada. Aí tem a cesta pejada de ovos.
Estendi-lhe a cesta, que retirei do ombro, mas o guarda deu mostras de não lhe agradar ser agora ele a alombar com a mercadoria apreendida. Apercebendo-me da sua hesitação, ofereci-lhe os meus préstimos.
– Senhor guarda, se vê que tal, eu mesmo lhe acarranjo a cesta pró posto ou pra sua casa, uma vez que, estando fardado, não lhe fica bem ir azangado com o carrego.
– Bom, não te quero prender, mas se te ofereces para levares a cesta até ao posto…
– Eu chego lá. Não me dá transtorno.
E tomámos o caminho do posto das Batocas, seguindo eu adiante, com o zeloso guarda a rabo, sempre atento ao meu caminhar. A meio percurso meti-lhe paleio:
– Queria pedir-lhe uma coisa, senhor guarda…
– Diz lá, rapaz.
– Tenho uma sede dos diabos, estou de golas ressequidas. E se me pagasse um copo na taberna do Fanojas? É que não tenho um chavo comigo.
– Mas, ias a Espanha de bolso limpo?
– Lá granjearia algum com a venda dos ovos que vossemecê me tirou…
Após alguma hesitação, o fusco acatou o meu pedido.
– Assim sendo, vamos lá tomar um trago.
Um pouco adiante embiquei para a taberna, que ficava ao fundo de um curral, que à portaleira tinha um alto portão de madeira.
Lá chegados, pousei a cesta no chão e puxei o cravelhão que aperrava o portão e, encostando-lhe o ombro fi-lo rodar.
– Entre lá, senhor guarda.
O homem avançou dois passos e, quando olhou para trás, deu já com o portão a fechar-se-lhe na cara.
– Eh lá, malandro! Não penses que te escapas.
Mas eu fui mais lesto e acravelhei-lhe o portão (naquele tempo os portões trancavam-se pelo lado de fora). O guarda bem tentou abri-lo de novo, puxando-o. Mas não valia, estava bem aperrado. Apressou-se então a galgar o muro, que era alto, mas quando o arrupou e espraiou o olhar, só já me enxergou o vulto que lá ao fundo dobrava a esquina a toda a brida com a cesta dos nas mãos e com a mercancia a salvo.
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«Aventuras de um velho contrabandista», por Paulo Leitão Batista
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