Inicio este texto com uma afirmação que li há tempos e registei, por se enquadrar perfeitamente neste tema: «Brincar não era um tempo oferecido, mas conquistado entre os múltiplos afazeres em que cedo nos iniciávamos no mundo do trabalho.»

Na lógica desta afirmação, em Outubro de 1952, ao iniciar a frequência da Escola Primária da Bismula, com mais de duas dezenas de rapazes e raparigas, levei na minha sacola de serapilheira, um caderno, um livro, uma caneta para molhar no tinteiro, uma ardósia escura e um pião com umas baraças.
Naquela manhã outonal, comecei assiduamente a brincar com os meus conterrâneos. Se as lições na sala de aula eram muito importantes, o nosso brincar no pátio da escola tinha o seu valor. Os nossos cenários do brincar eram o Largo da Santa Barbara, junto à Escola Primária e Capela com o mesmo nome, os Largos do Chafariz, da Relva, da Ladeira, da Praça, o extinto Adro da Igreja e o Campo de Futebol.
Há tempos fui convidado a falar para crianças do 1.º Ciclo, sobre os brinquedos do meu tempo escolar. Acedi com todo o gosto, prazer e saudade ao ir relembrar a minha infância.
Disse às crianças que me ouviam com muita atenção, que os nossos tempos de brincadeiras eram escassos. Era nos intervalos das aulas, da Catequese e pouco mais, porque as outras horas eram destinadas a ajudar os nossos pais no cultivo dos campos e na guarda e cuidado dos rebanhos.
Disse-lhe que os nossos brinquedos eram muito pobres e poucos, a maioria era feita pela paciência dos nossos pais, de algum familiar ou amigo. As matérias utilizadas eram de origem vegetal, madeira, trapos, frutos secos, ferro, lata ou latões, papel e outros. Não havia dinheiro para se comprarem brinquedos nos mercados. Hoje há uma inflação de brinquedos de toda a espécie e feitio, ao ponto de muitas crianças quando os recebem, nem quase os vêem.
E comecei a explicar-lhes que por exemplo o meu pai fazia uns barquinhos com as cascas de nozes, que colocávamos nas condutas da água das regas. Fazia moinhos com uns pauzinhos e bugalhas. Fazia umas caravelas que ao corrermos giravam a grande velocidade e também eram importantes para colocarmos nas hortas, para afugentar a passarada da mesma forma que os espantalhos. Os piões e um cordel de sisal eram o nosso encanto, e o seu jogo era de tal maneira competitivo, que ficávamos muito contentes quando partíamos o do vizinho. Faziam-nos bolas de trapo para jogarmos. Mais tarde chegaram as bolas de borracha que íamos comprar de contrabando a Almedilla, povoação castelhana.
Jogávamos ao bugalho, que íamos às matas dos carvalhos procurá-los, e mais tarde ao berlinde quando chegaram à Bismula as garrafas dos pirolitos; jogos das escondidas, da cabra cega, da corda, do arco…
Falar do Património dos nosso brincar é irmos à memória da nossa infância e recordá-lo. Quem do Concelho do Sabugal não recorda os seus modestos brinquedos de criança? Penso que não há ninguém, porque fizeram parte da nossa história e do nosso crescimento. Cada brinquedo é uma memória, uma história, uma lição aprendida, uma acção de solidariedade, de amizade e de zangas infantis.
Falar deste Património é recordar pessoas que os construíram, que nos ensinaram, é recordar os nossos companheiros de escola, as nossas brincadeiras colectivas e partilhadas, que já não existem.
Para terminar apetece-me declamar o poema de Fernando Pessoa:
O meu passado de Infância,
Boneco que me partiram,
Não poder viajar para o passado,
Para aquela casa e aquela feição.
E ficar lá sempre, sempre criança, sempre contente.
Hoje há pavilhões desportivos e espaços em todas as freguesias para se brincar, para a prática do desporto, resultado de muitas promessas eleitorais. Porém, o que observamos, a maioria está vazio, inactivo. Já não há crianças nas nossas aldeias e aquelas que as tem não estão motivadas, estão desinteressadas.
As crianças dos nossos dias, desta sociedade a esquecer valores, perderam espaço, tempo e autonomia de brincar.
Hoje as crianças deste País, tem brincadeiras e actividades individualizadas.
Como eram diferentes os meus tempos de criança e a saudade que tenho do meu arco e do meu pião.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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