À guisa de abertura, direi que me confrange funebremente a desenvoltura com que alguns de Vossas Excelências se apresentam em programas televisivos a blasonar sobre o estado a que em Portugal chegou o sistema judicial e a discretear soluções que mirificamene lhe modificariam a face.
É que quem não foi capaz de evitar ou de sequer travar minimamente a degradação técnica, económica e social duma classe que, pelos séculos, foi um referencial de capacidade profissional, de honesto bem estar e excelente reputação, não pode arrogar-se a posse de qualquer solução para um problema, ao qual enquanto no alto papel de bastonário não trouxe qualquer mitigação, sendo, bem pelo contrário, coartífice de apressada deterioração.
Depois, não podem Vs. Exas. esquecer olimpicamente a angustiada revolta dos advogados que podem ouvi-los.
Sou um obscuro advogado, de Vossas Excelências para usar expressão camoniana, não conhecido nem sonhado. Mas certamente que um dos mais idosos que teima lutar.
E dói-me dolorosamente – passe o pleonasmo – comparar a situação da generalidade dos advogados de hoje com a daqueles que há muitas décadas encontrei no exercício do munus.
Objectar-me-ão Vossas Excelências que nada poderiam ter feito nem contra o abandalhamento do ensino do Direito que sob a capa da democratização se permitiu a dúzias de pseudo-faculdades. Nem contra a multiplicação quase em progressão geométrica do número de advogados.
Nem a favor da dignificação do advogado oficioso. Nem pela divisão equitativa por todos os escritórios, dos serviços jurídicos encomendados pelo Estado Português, Empresas Públicas e Parapúblicas a meia dezena de privilegiados. Nem para a obrigatoriedade da intervenção de técnicos de Direito em variadíssimos actos. Mas não é assim…
Outras ordens, com menos tradição interventiva e algumas até há pouco quase desconhecidas, conseguiram não só manter as prerrogativas dos seus membros, mas também alargá-las.
A Ordem dos Médicos não permitiu a proliferação de faculdades e debatendo-se, embora o sistema de saúde com acentuada carência de especialistas, não pactuou com a banalização dos cursos e o rebaixamento da capacidade dos candidatos.
E é tão grande o contraste, que se pode entrar numa faculdade de direito com uma nota de oito ou nove valores, quando nem mesmo os dezoitos franqueiam as portas de qualquer curso médico ou paramédico.
A Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas arrancou legislação que exige a intervenção de representados seus até nas micro-empresas.
E o órgão representativo dos Solicitadores – que nem sequer se apavona com a designação de Ordem – aproveitou a reforma da acção executiva para assegurar profícua actividade para a generalidade dos seus membros.
Entretanto, os sucessivos bastonários da Ordem dos Advogados entretiveram-se, uns a mirar olimpicamente os seus símbolos, outros a tratarem dos seus negócios de cujo êxito vieram jactar-se, aliás em linguagem que baralhando mãos atrás com mãos à frente nos fazia recordar narrativa de sucessos por parte de regateiras ou marafonas.
Ex quanto ao título, mas presenças ininterruptas nos grandes midia, cujas portas o bastonariato lhes franqueou continuam a dissertar como que ex-cátedra sobre os problemas da justiça, em português nem sempre aprimorado e uma habitual indigência de profundidade doutrinal.
E, muitas vezes, com ideias chocantes e até atentatórias da competência e seriedade de magistrados, advogados e demais operadores judiciários quando não se coíbem de afirmar que os ricos, assim como usufruem melhor serviços de saúde também se fazem jus a melhor justiça. Ou de que o Estado Português e os serviços públicos e parapúblicos só devem contratar com as grandes sociedades de advogados.
De sorte que o melhor serviço que Suas Excelências poderão prestar à classe que deserviram e ao ideal de Justiça que não ilustraram, seria remeterem-se ao silêncio, não forçando os advogados, desiludidos e indignados a mudarem de onda quando se anuncia a iminente intervenção de um dos nossos Ex.
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«Politique d’Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire
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