Que há ouro na nossa zona, não duvidem. Não dará para exploração rentável, mas que o há, há. Trago-lhes aqui hoje uma história documentada de burla, ouro e bruxaria que meteu Inquisição e tudo…
Hoje, ao abrir o jornal «Público» e ao ver na página 8 o mapa de Portugal onde estão indicadas as zonas em que há minérios e quais, eis que dou com uma confirmação: aqui na nossa região, mesmo sem valor económico hoje, há mesmo alguns minérios. Designadamente: urânio, estanho e volfrâmio, pelo menos. Nada de novo, apenas a confirmação.
No Casteleiro, isso sabe-se desde os anos 40 do século XX, como já escrevi.
Mas essa recordação que o jornal nos trouxe hoje, levou-me, há meia hora atrás, neste domingo de algum sol e muito frio, a uma pesquisa no Google para as palavras «Casteleiro / urânio / ouro».
E eis que dou de frente com um documento antigo que lhe mostro hoje aqui e em que se conta uma história mirabolante que mete fraude contra todo um povo, promessas de «El Dorados», ouro, Inquisição e rezas e curas marginais naquele «dito lugar de Casteleiro, termo de Sortelha», de há quase 300 anos.É um documento espantoso. Conta uma história à moda do século XVIII. O documento é de 1723 e tem a designação de «Denúncia dos habitantes do lugar de Casteleiro, termo de Sortelha, contra José Bernardo» (clique aqui para ver o documento), do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.A estória, conto-a em poucas linhas:
– José Bernardo é o acusado.
– Os acusadores são alguns habitantes do Casteleiro.
– O relatório é, presumo, de um funcionário da Santa Casa da Misericórdia de Castelo Branco que terá sido enviado para investigar a denúncia.
– A acusação consiste em dois crimes. Um que ainda se mantém hoje como crime e que se traduzia numa fraude: esse tal José Bernardo andou durante três ou quatro meses a prometer mundos e fundos ao povo deste «dito lugar» para que procurasse ouro por estas serranias. Uma miragem, pelos vistos. Cavaram, escavaram, «derribaram» penedos por todo o lado e do ouro, nada. Até que o denunciaram. Provavelmente nem ouro nem pagamento do trabalho escravo que fizeram.
– A outra acusação é mais à moda da época. Claro que uma personagem destas tinha de ser também meio bruxo. E acusavam-no de duas coisas basicamente: de, com palavras tentar curar os doentes (bruxaria, portanto); e de, com ferros em brasa, fazer experiências (suponho que em seres humanos).
Resta dizer que esta acusação era dirigida à Inquisição – ou, de forma mais doce: ao Tribunal do Santo Ofício.
Tudo, em 1723. Hoje, no Casteleiro, não há nem ouro nem bruxas – que eu saiba. Mas naquele tempo, sendo ali mesmo perto o Terreiro das Bruxas (se é que já existia), sei lá.
Mas continuo convencido de que esse tal José Bernardo não era dali. Algum arrivista. Mais um. É que o autor do documento não diz se o acusado também era do «dito lugar de Casteleiro, termo de Sortelha, comarca de Castelo Branco».
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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Caro António,
Nada mais simples para você: vai à net da Torre do Tombo e eis que encontra de imediato os necessários esclarecimentos sobre o caso José Bernardo.
Pela minha parte, registo e agradeço: o nome do Casteleiro fica assim mais povoado de histórias antigas e verdadeiras: ficamos a saber que o Bernardo era um aldrabãozeco e ainda por cima nem pagaria a quem trabalhava para ele na busca do tal ouro que nunca apareceu…
Um abraço casteleirense da minha parte e um obrigado em nome dos meus conterrâneos também…
Caro, José Carlos Mendes.
A nossa região é fértil em histórias de bruxas e buscas de tesouros.
ANTT: «Denúncia dos habitantes do lugar do Casteleiro, termo de Sortelha contra José Bernardo»
Na imagem 15, do documento da Torre do Tombo está a identidade:
-«Os Inquisidores de Évora contra a herética gravidade e apostasia nesta cidade de Évora e seu distrito. Fazemos saber aos que a presente virem que Joseph Bernardo Monteiro cirurgião natural de Orca, termo da Vila de Castelo Novo, Bispado da Guarda, casado com Ana Rodrigues, por culpas do seu processo foi degradado, pela Inquisição de Coimbra, por tempo de quatro anos, para o couto de Castro Marim …»
Abraço.
António Gonçalves