Na semana passada escrevi sobre a produção de batata no Casteleiro. Hoje, sobre o azeite. Mas nada que se compare: enquanto quase todas as famílias cultivavam as suas batatas, poucas eram as que supriam as suas necessidades em azeite.
Haverá ainda oliveiras centenárias no Casteleiro. Mas com o tratamento que hoje levam, se ainda as há, não vão durar muito. Isso é pena.
Esta impressionante árvore dá um fruto, a azeitona, de que sai um óleo especialmente apreciado na economia local: o azeite.
Este fruto bem mediterrânico, a azeitona, vem dessa bela árvore chamada oliveira, trazida do Médio Oriente sabe-se lá quando e como e por quem. Mas seguramente há muitos séculos. Podem e devem ter sido os romanos, mas também os árabes e os judeus: há muitas em todas as suas terras (Roma, mas, antes de mais Egipto oriental e, sobretudo, Palestina, incluindo o local onde hoje fica Israel – a Bíblia não me deixa inventar nada: está tudo pejado das respeitadas oliveiras).
Ter oliveiras, ter azeite – são marcas de estirpe elevada: mais elevada ou menos, consoante a produção final e o modo de colheita, ou seja, contam para essa classificação: o número de oliveiras, a sua localização, se eram colhidas pelos próprios com ou sem ajuda de familiares e amigos, ou se a colheita era simplesmente efectuada como trabalho assalariado…
Era também por esses limites que se sabia se essa família era remediada, abastada ou mesmo rica – ponto final.
Só hoje, a grande distância, vejo que era assim. Na época (anos 50, é deles que falo), tudo me parecia natural e normal. E, se calhar, assim era…
Ou seja: se calhar, Deus e a Pátria queriam isso assim mesmo e assim é que estava certinho.
Azeite: fundamental na economia
Ironias à parte: o azeite é fundamental. É uma gordura que acompanha toda a vida da pessoa:
– com azeite se tempera a comida,
– com azeite se conservam os enchidos,
– é o azeite que serve para fritar as batatinhas que assim ficam tão saborosas,
– a própria azeitona, como fruto, é um bom condimento – apeguilha mesmo bem…
– etc. etc..
Famílias menos beneficiadas esperavam sempre azeite sobrante dos fritos ou da conserva dos enchidos para suprirem as suas próprias necessidades.
Mas o azeite foi importante não só na alimentação:
– com as borras do azeite e potassa, fazia-se sabão para lavar aquelas grandes quantidades de roupa na ribeira e deixá-la lá a tarde toda a corar;
– e com azeite se untavam as fechaduras das portas para não rangerem tanto – fazia de óleo à época.
Sabemos que em épocas mais recuadas se alumiavam as casas com azeite (eu já só apanho isso em meia dúzia de casas: o petróleo já tinha entrado nas vidas locais).
Mas lembro-me muito bem de as pessoas terem a tarefa de pôr azeite nas luminárias dos altares na igreja ao santinho da sua devoção: aqui o azeite é um elemento do ritual.
Da importância da colheita da azeitona e do fabrico de azeite falam antes de mais os três lagares que chegou a haver no Casteleiro. Lagares de azeite que, já no século XVIII, eram três. Portanto, a coisa vem de longe…
E constou sempre na minha meninice que o nosso azeite era do melhor da região toda.
Qualidade de vida
O azeite é, pois, sinal de mais qualidade de vida.
Sem azeite, a vida era mais triste, menos saborosa.
Muitas famílias, por não terem oliveiras suas, arrendavam terrenos de oliveiras. Por baixo das oliveiras semeavam batatas e legumes. Mas lembro-me de que, da sua colheita de azeite, tinham de dar uma parte ao dono do terreno como forma de pagamento de rendas.
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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Obrigado a Mestre Leal Freire por esta (mais uma) incursão histórica, desta vez também com entradas pela Economia – que era o aspecto que maior relevo assumia para mim ao escrever a peça.
Gostei de ler.
Quero acrescentar à sua vivência, no que se refere à Quinta de Santo Amaro – suponho que é desta que fala nas últimas linhas – um ou dois aspectos da minha própria infância e primeira juventude:
– muitos homens e mulheres do Casteleiro iam para a azeitona em Santo Amaro, no tempo do Morgado Tavares de Mello (a expressão é exactamente aquela que era usada pelo nosso Povo: «ir para a azeitona»);
– mas há outra experiência engraçada: muitos homens, no fim dos anos 50 e nos anos 60, iam para a azeitona mas para o Alentejo, onde aliás eram tratados de esguelha pelos trabalhadores locais porque, diziam estes, lhes roubavam o posto de trabalho e por mais baixo preço-salário. Chamavam-lhes «os ratinhos», como sabemos – e tanto iam para as ceifas em Maio-Junho como para a azeitona em Setembro.
Há uma referência dura às duras condições dessas vidas destes beirões por aquele Alentejo fora. Quem já não se lembra pode visitá-la aqui:
https://capeiaarraiana.pt/tag/os-ratinhos/
As minhas saudações, Mestre.
As duas partes de que se compõe o concelho do Sabugal – Terra Fria e Terra Quente, ou mais precisamente Cis e Transcudana – distinguem-se sob o ponto de vista da riqueza agricola pela ausência ou presença da oliveira oleícola, que a outra – a das azeitonas de conserva – também se dá na Raia.
O azeite, elemento básico da chamada dieta mediterrânica ou caras emental de Plinio-o-Velho, vale como símbolo de riqueza.
Árvore, ao que parece, originária da Turquia, disseminou-se desde a mais remota antiguidade entre os territórios que marginam as àguas que vão do Bósforo a Sagres, sendo seus grandes produtores no momento presente a Itália, a Espanha e a Tunísia.
O consumo varia nas quantidades e nos gostos.
Haverá essencialmente três espécies – o pouco ácido ou quase inácido, o forte e o de aromas.
As classes mais ricas ou preocupadas com dietas preferem o primeiro.
A gente mais pobre, de gostos mais rudes ou indiferentes a achaques gastricos, o segundo.
Os gastrónomos optarão pelo terceiro.
A qualidade depende não só da especie da azeitona,sua maturaçao e estado geral, mas também do processo de extracção.
Se se enterrar a azeitona e deixar chegar a um certo grau de decomposiçao, os indices de produção serão mais elevados.
Tradicionalmente, as populaçoes da Raia abastecem-se em Espanha e há cerca de meio século o contrabando do azeite movimentou metade do concelho, havendo-se as estações da Cerdeira, do Barracão e Caria transformado em autênticos entrepostos.
Presentemente, os raianos de posses mais modestas ainda se abastecem em Espanha. De frisar que até meados do século passado, os raianos de dinheiro possuiram olivais do lado de lá da Fronteira, havendo salvocondutos para a apanha e o transporte.
Também havia quem se arranchasse para a apanha no transcoa.
E da minha aldeia natal, algumas familias quase fechavam as portas para colaborar na apanha e feitura em Santo Amaro, regressando com as azémolas ajoujadas sob os odres.