Detenho-me, num olhar, perante o espaço que, das escarpas da Estrela, se estende e acinzenta para bandas do Sabugal.
Num relance mais curto e mais a leste chega-me o meu Monte, o Monte do Jarmelo.
Aplanam-se, depois, as distâncias até se perderem nas longínquas serranias espanholas. Adivinho, com grau de absoluta certeza, que, a meio caminho, se alonga um vale, o vale do Côa, profundo, abrupto, apertado e quente.
E sei, claro, que por aí se esvaem as águas de um rio. Águas oprimidas pelo aperto e alteza das margens. Águas, poucas, agora que se vão na lentidão estival enquanto isentas de chuvas. O percurso dessas águas ocorrerá, em ambiente oprimido, numa extensão de escassos quilómetros e numa luta constante com as margens, como se fizessem uma incessante procura de liberdade mesmo antes de encontrar a foz.
Neste outro monte, num monte povoado, ergue-se a Guarda, meu ponto de observação, cidade envolta e distraída na agitação da tarde.
Entre o movimento e a extensão dos espaços silenciosos permito-me imaginar paisagens, carentes de verdura nesta época do ano e ponteadas de aflorações umas mais cinzentas que outras.
Entre a cidade e os campos espargem-se aldeias, que não crescem mas minguam e que insinuam vidas a transbordar de tradições e de labutas rurais.
Presumo, essas aldeias, esmorecidas fazendo imagem com casas de granito cinzento ou amarelo por entre outras casas cujos modelos foram importados da Europa. Umas e outras se demarcam no interior de um espaço castanho/avermelhado definido pelo tom dos telhados. São aldeias que se desviam, nos longes, como se fugissem, como se quisessem evitar, o açambarque das cidades.
Ainda pairam algumas nuvens nesta tarde. Lembro-me agora que a névoa chegou de manhã. Ao longo do dia a humidade mais baixa foi-se dissipando e, no céu, foram-se agrupando as nuvens. Formaram grupos espessos, cinzentos, quase negros. Agora, ao final do dia, um leve vento dispersou-as. Parte delas disfarçam-se e expõem-se em figuras pitorescas. Houve nuvens que se alongaram e emagreceram deixando-se repassar por raios de sol fraco, fazendo lembrar pedaços de um enorme manto que se esbranquiça na passagem da luz.
Lá mais além, na altura longínqua da montanha espanhola , parecem juntar-se todas as nuvens num doce enlace entre a Serra e o Céu.
Olhando, assim, vou esquecendo azáfamas e vou entrando no abstracto mundo da imaginação onde me entretenho lendo espaços, decifrando e comparando formas, associando-as a imagens reais ou mesmo a acontecimentos quotidianos.
É este o Céu que me cobre a mim, à Guarda, à raia e à cidade do Sabugal.
Ler os espaços que refiro é como ler livros abertos, livros ilustrados com Céus, casas e paisagens, livros recheados de tradições e de saberes ancestrais.
Tudo se proporciona, portanto, para leituras gostosas. Os espaços estão sempre disponíveis. Basta querer lê-los.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Mena, «o gostar» não se agradece mas agradeço-te sinceramente o interesse que demonstras em ler e comentar o que escrevo. Um beijo.
Amigo Nabais, falo, de facto, de sítios que me integram a alma e que, segundo julgo, merecem ser divulgados. Para ti, aquele velho abraço.
uma forma muito poetica e rica de descrever esta nossa zona por vezes esquecida e abandonada….gosto que a tua arte de bem escrever leve estas paragens mais além da terra “do rural” e transforme umas paisagens para nós comuns num sitio que desejamos visitar e apreciar …deixo-me levar pela tua imaginaçao e vejo ” nas minhas nuvens ” também espaços para ler….
Muito boa descriçao das nossas terras!!!
Amigo Capelo:
De tanto falares nesse monte que já faz parte da tua vida, o Monte do Jarmelo, cada vez que subo à cidade da Guarda, olho ao longe e, ao vê-lo digo para comigo: lá está um pouco da alma do Capelo.