Vivemos tempos em que o ultraje ao pudor e à moral pública são constantes, sem que contudo alguém se digne por cobro a tão perfídias aleivosidades. Noutro tempo estes excessos não seriam possíveis, porque as leis eram rigorosas e os correctivos implacáveis.
Não se dão dois passos na via pública sem que nos cruzemos com extravagantes pares de namorados praticando marranadas. Se o olhar nos vai para uma banca de jornais e começamos a ler as manchetes do dia, logo se nos metem nos olhos as vergonhosas capas de revistas, onde rabos e seios de mulheres se expõem indecentemente. Se nos sentamos num bar ou esplanada para tomar uma chávena de chá, não tarda que nos cheguem as conversas indecentes dos jovens, que usam em cada frase meia dúzia de palavras obscenas. E se optarmos por ficar em casa a ver a televisão, deparamo-nos sistematicamente com imagens de conteúdo erótico ou sexual que fariam corar o Mafarrico.
Tenho que recordar os meus tempos de mocidade para explicar, a quem tem a paciência de ler estas linhas, o que era uma sociedade às direitas, onde as regras eram justas e rigorosas, impondo uma convivência social livre dos desmandos que hoje infectam as relações humanas.
Comecemos pelas punições para quem praticasse os atrevimentos que a lei proibia. Se a ofensa à moral pública ocorresse por uso de palavras impróprias o prevaricador sujeitava-se a pena de prisão até três meses e multa. Se o ultraje fosse por escrito ou por intermédio de desenhos, a pena era elevada para seis meses.
Claro que as palavras, escritos ou desenhos tinham que ser obscenos e contrários ao pudor e à moral universal para que houvesse crime. Expressões que originassem um simples inconveniente ou indignação a quem as ouvisse não se enquadravam no crime.
Se as ofensas fossem praticadas por intermédio da imprensa, o que nos dias de hoje é manifestamente comum, a legislação considerava que se praticava o crime de abuso de liberdade de imprensa.
Ainda recordo um caso que sucedeu no Sabugal, nos anos de 1950, quando um lavrador da vila, o Torres, desavindo com a mulher, desatou a tratá-la mal em plena rua, perante quem passava, usando impropérios e ditos torpes. Dir-se-ia que era mais um caso entre marido em mulher, o que naquele casal já constituía hábito, mas o facto dos ditos serem proferidos em público e ultrajarem quem os ouvia, tornaram o caso diferente. Passando nesse momento o então delegado do Procurador Público, este intimou de imediato o Torres a identificar-se e a comparecer no Tribunal, onde lhe moveu um processo por ultraje ao pudor público, respondendo depois em audiência e sendo condenado.
Longe vão os tempos em que a lei era lei e em que as instituições reguladoras das relações sociais funcionavam plenamente.
:: ::
«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis
Leave a Reply