Casteleiro, Verão de 1941. Centenas de jovens e não só dedicam-se há dois ou três anos à recolha de minérios vários pelas serras. Sobretudo, volfrâmio. Depois, vendem a recolectores intermediários que se deslocam às várias aldeias em volta, lhes compram os minérios e o vendem depois ou aos donos das «separadoras» ou a agentes italianos e ingleses estacionados na região.
Não é uma notícia, pelo menos não uma que eu conheça. Mas podia ter sido. De facto, naqueles tempos, já com a Segunda Guerra Mundial no seu terceiro ano, a falta de metais apropriados para as necessidades da guerra fez com que por todo o lado se procurassem essas matérias-primas para fazer armas. Os inimigos que se digladiavam no terreno (de um lado, o Eixo: alemães e italianos; do outro, os Aliados: americanos e ingleses) precisavam dessa matéria-prima.
Não esquecer: o nosso País manteve-se neutro neste conflito. Isso devia querer dizer que não ajudávamos nem uns nem os outros.
Mas no caso concreto, para o bem e para o mal, acabámos por ajudar ambos lados desta gigantesca barricada que foi a II GG.
Ao Casteleiro e arredores acabaram por vir parar todos eles.
Os ingleses assentaram arraiais mais ali do lado da Serra da Pena que terão comprado aos espanhóis que a construíram e, durante a guerra, acabariam por se dedicar também à exploração da mina da Bica (mina de urânio, um metal que, como se sabe, é radioactivo e que começava a conhecer as suas primeiras aplicações bélicas, depois da aplicação medicinal bem publicitada em conjunto com o Hotel da Serra: eram as Águas Rádium, lembram-se?).
Do outro lado, estacionados mesmo no Casteleiro, os italianos irmãos Menegoni, que compravam o volfrâmio e o separavam para vender ao seu Estado que dele precisava para fabricar canhões. O tungsténio, nome científico do volfrâmio, é um metal muito duro. Misturado com outros, forma uma liga que resiste pela sua dureza e que aguenta a temperatura do momento da explosão do canhão para lançar o projéctil a longa distância.
Portugal era o principal produtor mundial de volfrâmio.
Ou seja: ouro sobre azul: nós tínhamos, ingleses e italianos precisavam e compravam.
No Casteleiro, sobretudo nos ribeiros e linhas de água da Serra da Preza e em Vale de Castelões, a actividade de busca, nesses dias, era frenética.
Jovens rapazes e raparigas de 16 e 17 anos (nesse tempo, com estas idades, eram mesmo muito, muito jovens) dedicavam-se a recolher o mineral – por vezes também algum estanho e outros metais.
Depois era só vender aos intermediários.
O resto era a trajectória industrial da época: separadoras, comboio, Inglaterra ou Itália, fábrica de armamento, campos de luta na França ou no Leste europeu.
No Casteleiro, onde os italianos chegaram a construir uma separadora (havia outra a funcionar no Terreiro das Bruxas), ficou muito dinheiro dessa frente de guerra: a guerra das transacções comerciais dos materiais com que se fabricam os materiais de guerra.
No livro «O Estado Novo e o Volfrâmio (1933-1947)», João Paulo Avelãs Nunes refere a existência da Companhia Mineira do Casteleiro, Lda. (constituída em 1937 e exploradora de nada menos do que 17 minas), da qual era sócio o engenheiro judeu formado em Paris, de origem polaca chamado Samuel Schwartz, que era sócio de dezenas de empresas mineiras e que nunca deve ter ido ao Casteleiro (não se fala dele: tudo isto funcionava apenas para registo em Lisboa e legalização, presumo).
Estava-se em 1941-42. O acordo de Portugal com a Alemanha sobre fornecimento de 3.000 toneladas de tungsténio seria denunciado pela parte portuguesa em 1944, devido à pressão dos Aliados. Acabava-se aí o El Dorado da juventude (e não só)do Casteleiro e arredores.
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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