Um dos graves problemas com que nos deparamos é o insuficiente controlo dos bens alimentícios que estão no circuito comercial. Anda por aí muita comida adulterada que, ingerida, provoca sérios danos ao organismo, de que é exemplo essa bactéria infecciosa agora descoberta na Alemanha, a que dão uma designação esquisita («e.coli», ou coisa que o valha…).
É absolutamente necessário contar com uma inspecção frequente e rigorosa aos bens comestíveis, mormente os que são vendidos nos comércios, restaurantes, bares, cantinas, bancas de mercado e até em caravanas à borda das estradas. E essa acção fiscalizadora tem de fazer uso da recolha de amostras, a encaminhar para laboratórios que as analisem rapidamente.
Também é necessária uma eficaz acção punitiva, que castigue os prevaricadores e os responsabilize, sobretudo no caso de a comida tóxica afectar a saúde de alguém. A punição tem de ser exemplar, caso o falsificador for surpreendido em flagrante delito de adulteração dos produtos ou quando estes sejam encontrados no próprio local ou oficinas de fabrico, que neste caso deve ser imediatamente selado, como medida preventiva.
No meu tempo de rapazola, mau grado os meios laboratoriais e comunicacionais fossem escassos, este assunto era alvo de toda a atenção. E isto sucedia num tempo em que a comida industrial não tinha a importância que hoje tem, já que abundava a comida natural, cuja deterioração ou adulteração eram mais fáceis de detectar.
A legislação aplicável previa medidas drásticas e severas para com os falsificadores dos produtos comestíveis, que para além de presos eram alvo de pesadas multas, sendo-lhes ainda encerrados os estabelecimentos (se os tivessem) e a sua acção propagandeada, para que fossem conhecidos na praça pública e isso os envergonhasse.
Havia ainda a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, a cujos inspectores competia a fiscalização técnica e sanitária, incluindo a recolha de amostras, e a instrução dos consequentes processos. Também tinham poderes de fiscalização nesta área os inspectores de saúde, médicos municipais, intendentes de pecuária, agentes fiscais e agentes policiais.
Uma medida importante, muito comum à época e que nos dias de hoje deixou de existir, era a previsão de que uma parte do produto das multas aplicadas revertesse para os autuantes, participantes ou descobridores. A bitola era 25%, com o limite no vencimento anual do funcionário, que não podia ser excedido. Esta disposição levava a que o agente fiscalizador andasse de olho aberto e orelha fita, a bem de todos, pois recebia da detecção de ilegalidades a merecida recompensa.
Mas a principal medida que antigamente existiu para combater este pesadelo, foi a criação do Tribunal Especial dos Géneros Alimentícios, a quem cabia a aplicação das penas de prisão e de multa previstas no Código Penal. Tratava-se de um tribunal colectivo, composto por um presidente, que era juiz de direito, e dois assessores, sendo um o comandante distrital da polícia e o outro um oficial superior do exército ou da armada. Este tribunal especial decidia em primeira instância, cabendo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que porém restringia a sua apreciação à matéria de direito.
Sempre se ouviu dizer que com a saúde não se brinca. E como a saúde muito depende da qualidade da alimentação ingerida, justifica-se o máximo rigor na verificação da qualidade dos produtos comestíveis.
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«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis
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