«Ribeira do Casteleiro»: (…) «as suas margens se costumam cultivar para centeio». Esta simples frase, escrita há 260 anos, é muito importante. Foi lavrada pelo «Cura deste dito lugar de Casteleiro» na resposta ao inquérito nacional ordenado pelo Marquês de Pombal e em que cada pároco respondeu a algumas dezenas de perguntas da Corte. Coisa séria: uma espécie de Censos / 1756.
No Casteleiro sempre se cultivou muito centeio. Aliás «pão» para nós era «centeio». «Trigo» era «trigo». Só depois, já a deambular por outras paragens, como Lisboa, é que vem a surpresa: não há pão/centeio e toda a gente fala de pão mas é trigo. Na meninice e juventude isto faz cá uma confusão…
Naqueles dias com piada, tal como pelos séculos anteriores se foi aperfeiçoando essa arte, o centeio era fonte de vários produtos essenciais e alguns acessórios da vida rural: antes de mais, a ferrém: quando o pão-planta, ainda no alqueve, é pequenito dá para os animais comerem – mas é um desperdício, melhor é a aveia, que não serve para mais nada; depois, quando o pão cresce e fica grado, alguns colhiam os cornachos ou lenticão que se vendia e dava para certos medicamentos; mais tarde, quando fica bem seco, vai para a laje e junta-se em medas, malha-se e de lá saem vários produtos: o grão do centeio que, moído, dá para fazer pão e bolos (mas para estes é sempre melhor a farinha de trigo, planta pouco cultivada no Casteleiro de então, apenas marginalmente, mas sempre havia algum); a palha que dá para comida dos animais, sobretudo as vacas, no inverno, e também para a cama do vivo todo na palheira e depois para estrume que serve para adubar as plantas: circuito da Natureza concluído: veio da terra e à terra voltou…
Coza o forno
«Haja saúde e coza o forno». Uma frase que é de incitamento para se vencer a vida como se de uma operação especial se tratasse.
O «forno» no Casteleiro da minha meninice era um local especial, onde a minha avó, sobretudo, mas também a minha mãe me deixavam ir a acompanhá-las nos dias em que o forno andava. Andar o forno quer dizer: o forno funcionava, as famílias coziam o seu pão para toda a semana. Julgo que era às terças que o forno andava.
No Casteleiro dos anos 50 havia dois fornos, pertencentes a duas das pessoas mais ricas da terra. Cada família tinha hábitos de ir para um ou outro, julgo que apenas por critérios de proximidade e ou de simpatia e de favores devidos ao dono do forno. Pagava-se a «poia» (aluguer do forno) em pão cozido.
A ideia que tenho é que nos dois fornos se juntavam as mulheres e enquanto o pão entrava e não entrava, enquanto se cozia e não cozia, vai de «pôr a escrita em dia», desenferrujar a língua, actualizar a base de dados – ou seja, o forno representava para as mulheres, uma vez por semana, nesta matéria da «escrita», mais ou menos o mesmo que para os homens a tasca ou a taberna – eram locais diferentes, já agora também lhe digo: havia uma tasca, duas tabernas e até havia já um café, veja lá.
Portanto, não sendo nenhum deles um forno «comunitário», porque isso tem a ver com a propriedade do equipamento e no Casteleiro ambos os fornos eram particulares, a verdade é que no forno se viviam bons momentos, como sempre me pareceu.
O pão que de lá saía era muito bom, dava para a semana toda de toda a família e era biológico e «fitness»: tinha «bué» de fibras naturais – e aguentava-se a semana toda bem saboroso.
Glossário mínimo para ler este texto:
Vivo – gado
Pão – centeio
Poia – paga por fazer o pão no forno
Andar o forno – trabalhar, funcionar o forno
Alqueve – extensão de terreno semeado de pão
Ferrém – forragem
Palheira – estábulo
Laje – eira
Meda (ler mêda) – cone de cereal de cada proprietário ao redor da eira, antes de ser malhado
Lenticão – «Excrescência nas espigas do centeio» (in ‘Dicionário on line’). O povo chamava-lhe «cornachos», devido à forma retorcida dos apêndices pretos e carnudos das espigas.
O pão era o centeio, também em Malcata se falava assim. E o centeio era e é diferente do trigo. Uma das diferenças está no formato e no tamanho do grão.Outra diferença está no tipo de farinha obtido pela moagem de cada grão. A farinha do centeio, quando amassada e cozida no forno, resulta num pão com miolo escuro. Se o pão for feito com farinha de trigo, o miolo é mais branco e tem um sabor diferente daquele que se faz com centeio(ao). Ainda me lembro de andar pelos campos de “pão” aos cornachos para os vender. Sempre fui avisado para não os comer, pois faziam mal. Também na aldeia havia dois fornos onde o povo ia cozer o pão. Graças ao trabalho de recuperação levado a cabo pela J.F., a aldeia tem ainda um forno comunitário pronto a ser utilizado sempre que necessário. Este pão é ainda hoje uma iguaria que não se encontra à venda. Porque não incentivar o fabrico e consumo deste genuíno produto nas nossas aldeias e até distribui-lo por mais lugares?
Sim: no Casteleiro também já se falou em regenerar um dos fornos e colocá-lo ao dispor como forno comunitário.
Oxalá isso possa um dia suceder.
Quanto ao incentivo para que se volte a produzir pão centeio e até a comercializá-lo, tenho um receio sempre que se fala disso: já vi tanta asneira quando se fala de dinheiro… É que, por azar, a qualidade vai-se logo embora… Só se houver gente muito séria que queira preservar a qualidade daquele produto e não apenas ganhar dinheiro.
O que mais recordo do tempo da meninice no forno da quinta (onde a minha mãe cozia para toda a semana, para nós e para os trabalhadores que muitas vezes lá havia) era de ter que juntar lenha seca (como havia matas mesmo ao lado e em nível mais alto era só deitá-la para o átrio do forno, mais fácil que metê-la pela porta), e um “bolo” da mesma massa que fazia para cada um, e que, mais pequeno, saía do forno antes do restante. EStávamos ansiosos à espera dele, e quentinho, marchava mesmo sem manteiga que isso era privilégio de rico.
Foi por estas e por outras que me “deu na onda” de fazer um forno novo (que recuperar o antigo era tarefa difícil devido à degradação, mas também ao tamanho que seria demais para as minhas “tainadas”), e a minha mulher se lembrou de fazer pão (trigo, diga-se), primeiro a medo, agora mais à vontade e com alguma “fama” na rua. É que montou um negócio que só me dá prejuizo: Levo-lhe a farinha, vou à lenha, trato do forno e ela coze o pão…. depois distribui pela vizinhança. Mas como lhe vou roubando uma “bolita de carne” para o lanche, compensa o prejuizo.
NÃO HÁ PÃO COMO O CENTEIO
PRA TORNAR O HOMEM FORTE…….
HAVENDO-O .NÃO HÁ RECEIO
DE ENFRENTAR A PROPRIA MORTE…
Na Beira Rural Interior,o cereal panificavel por excelencia é efectivamente o centeio e foi ele que ganhou o lugar á bolota dominante
em tempos evos
O folclore evoca-lhe parceiros
EU SOU O TRIGO QUE ANDA PELAS FESTAS
OU
TRIGO LOURO,TRICON SACHO,
QUEM ME DERA A TUA COR
ANDARIA JUNTO AO CALICE
CORPO DE NOSSO SENHOR
TAMBÉM HA OUTROS REGISTOS
EU SOU A CEVADA QUE ACUDO ÁS PRESSAS
E AO DEMAIS NÃO PEÇO MEÇAS
OU AINDA
FUI CRIADO POR SAO PEDRO
TEDHO ENERGIAS DE CEDRO
POR ISSO AS TERRAS HUMOSAS
MAIS QUEREM MILHO QUE ROSAS…
Mas o centeio é que é força,preso ao granitto e sombreado pelo carvalho-roble
Ás vezes,o poeta popular,porque essencialmente trovador.tergiversa
NÃO HÁ PAU COMO O CARVALHO
NEM LENHA COMO A DE AZINHO…
NEM FILHOS COMO OS DE PADRE
QUE CHAMAM AO PAI PADRINHO
Ou,mais inocentemente
NÃO HÁ PAU COMO O CARVALHO
QUE NO ANO DÁ QUATRO FRUTAS
DÁ BOGALHOS,DÁ BOGALHAS,
BOLOTAS E MAÇÃS CUCAS…
E dá para aquecer o forno,que agradece a sua materia lenhosa,sobretudo no desamuo–cozedura depois de dias de inactividade
ou para a vez do ramo,que é a primeira nas manhas frias…
Enfim
–tudo no forno é inspiraçao
EIS UM EXEMPLO
ENTRARA NOS BOQUEIRÕES
JÁ MAIS NEGROS QUE CARVÕES
TODO O PAO DUMA NINHADA
A MULHER DO LAVRADOR
ERGUEU ENTÃO AO SENHOR
VELHA REZA SALMEADA.
Á SUA VOZ DE COMANDO
ERGUEU-SE O CORO DO BANDO
FILHOS,CRIADOS,MENDIGOS
ERA NOITE DE NEVAO,
UNS ESPERAVAM O PAO
OUTROS DO FRIO FUGIDOS
EM LOUVOR DE SAO VICENTE,
A FORNADA SE ACRESCENTE,
DISSE A VELHA EM TOM DE BRASA
POR DEUS E SANTA MARIA
PÃO NOSSO DE CADA DIA
HAJA SEMPRE EM NOSSA CASA,
EM LOUVOR DE SANTA TERESA
NÃO SE ACABE O PAO NA MESA
ATÉ DE QUEM NOS CONSOME
LADROES,CITOTES DA VILA
QUE NEM MESMO ESSA QUADRILHA
CONHEÇA O SABOR DA FOME..
O GADO NA MANGEDOURA
O BICHO-FERO NA LOURA
A CADA A SUA RAÇÃO.
EM LOUVOR DE SANTA MARTA
O PAO SE PARTA E REPARTA
ATENDEI MINHA ORAÇAO-
ATENDEI,SENHOR JESUS,
PRA VOS ROGAR,EU ME PUS
DE JOELHOS SOBRE AS PÁS.
ATENDEI PLO QUE SOFRESTES
PLO MUITO QUE PADECESTES
DE PILATOS PRA CAIFÁS–
A MARIA,VOSSA MÃE
MAE DE NOS TODOS TAMBÉM
DESDE AS HORAS DO CALVÁRIO
EU QUERO PEDIR AINDA
DUAS COISAS QUAL MAIS LINDA
PELAS CONTAS DO MEU ROSARIO
FILHOS,CRIADOS,MENDIGOS
ERA NOITE DE NEVAO,
UNS ESPERAVAM O PAO
OUTROS DO FRIO FUGIDOS
EM LOUVOR DE SAO VICENTE,
A FORNADA SE ACRESCENTE,
DISSE A VELHA EM TOM DE BRASA
POR DEUS E SANTA MARIA
PÃO NOSSO DE CADA DIA
HAJA SEMPRE EM NOSSA CASA,
EM LOUVOR DE SANTA TERESA
NÃO SE ACABE O PAO NA MESA
ATÉ DE QUEM NOS CONSOME
LADROES,CITOTES DA VILA
QUE NEM MESMO ESSA QUADRILHA
CONHEÇA O SABOR DA FOME..
O GADO NA MANGEDOURA
O BICHO-FERO NA LOURA
A CADA A SUA RAÇÃO.
EM LOUVOR DE SANTA MARTA
O PAO SE PARTA E REPARTA
ATENDEI MINHA ORAÇAO-
ATENDEI,SENHOR JESUS,
PRA VOS ROGAR,EU ME PUS
DE JOELHOS SOBRE AS PÁS.
ATENDEI PLO QUE SOFRESTES
PLO MUITO QUE PADECESTES
DE PILATOS PRA CAIFÁS–
A MARIA,VOSSA MÃE
MAE DE NOS TODOS TAMBÉM
DESDE AS HORAS DO CALVÁRIO
EU QUERO PEDIR AINDA
DUAS COISAS QUAL MAIS LINDA
PELAS CONTAS DO MEU ROSARIO
QUE O NOSSO IRMAO QUE PRIMEIRO
FAÇA A DEUS,JUIZ INTEIRO
PARA PAGAR COMPAREÇA
NÃO SOFRA MAIS DO QUE UJM SUSTO
LEVE AS INSIGNIAS DE JUSTO
POR SOBRE A CRUZ DA CABEÇA
E QUE A ALMA QUE O TORMENTO
HÁ MAIS ANOS FOGO BENTO
AFLIJA NO PURGATORIO
VOE JÁ LESTA PRÓS CEUS
FIQUE Á DIREITA DE DEUS
ENTRE NO SEU ORATÓRIO
TERMINADA A BRANDA PRECE
A GENTE QUE REZA ESQUECE
SUAS MAGOAS-TANTAS SAO-
DO FORNO SAI UMA BOLA
A VELHA REPARTE-A TODA
TODOS SAO FILHOS DE ADAO
DA BOLA SAI UMA LUZ
EI~-LA PELOS CEUS EM CRUZ
CADA CRUZ SUA BARQUINHA
AS QUATRO DE JUSTOS CHEIAS
REBENTARAM-SE AS CADEIAS
JÁ SAO SANTAS AS ALMINHAS
MUITAS VEZES RECEI O TERÇO NO CASTELEIRO.
MUITAS MAIS,COMI E BEBI DO BOM E DO MELHOR NA VILA MIMOSA,COM O DOUTOR MENDES GUERRA,E DEPOIS COM A DONA MARIA DO CEU..
EM SANTO AMARO,ONDE ME DESLOCAVA COM FREQUENCIA
NA COMPANHIA DE UM FIDALGO DA IDANHA QUE TINHA O N OME MAIS COMPRIDO DO MUNDO
MAIS TARDE EM CASA DO ALFERES ROSA,DO PADRE CHORAO,DO PROFESSOR AMARELO
Sobre o que escreve Luís Carriço:
– Na minha aldeia, do que melhor me lembro, para lá do pão que chegava do forno, é dos tabuleiros de bolos pequenos, redondos e bem doces. Não têm lá outro nome: são apenas bolos: «Ó mãe, hoje vai fazer bolos no forno?». Mas a vida era um bocado madrasta naquela época. Em geral, «bolos», só por altura das festas: Natal, Páscoa, Santo António (que lá era em Agosto, vejam bem)…
Caro Prof. Leal Freire,
Obrigado por me recordar a cevada. É verdade. Eu falei de aveia. Mas a cevada era muito cultivada, sim, para o «vivo».
Fica o registo.