Longe vão os tempos em que a sociedade quase se auto-regulava, com mecanismos próprios para a resolução de conflitos, de que eram bons exemplos o juiz de paz e o júri avindor.
Antigamente os pequenos conflitos nas comunidades, mormente nas aldeias, eram resolvidos no seu seio, pelos chamados e considerados «homens bons», ou justos. Havia sobretudo duas fórmulas para a arbitragem dos conflitos, cuja decisão era geralmente acatada.
Uma era através da figura do juiz de paz, que existia em todas as freguesias, à excepção das que eram sede de comarca. O juiz era um homem bom da freguesia, a quem cabia decidir os conflitos ali verificados.
Competia-lhe procurar conciliar as pessoas antes que litigassem em juízo. As funções de juiz de paz podiam ser acumuladas com as de regedor, tendo então também atribuições policiais, tais como tomar conhecimento dos crimes ou infracções cometidas, prender os delinquentes em flagrante, proceder ao corpo de delito ou quaisquer diligência no âmbito do processo criminal.
Outra forma de resolver os conflitos nas comunidades de antanho era através do chamado júri avindor, que intervinha em alguns assuntos concretos, para os quais era especialmente constituído. O júri avindor era formado por três homens bons da freguesia, um deles presidente e os outros vogais, e tinha por competência promover a conciliação dos desavindos, pronunciar-se sobre as reclamações, julgar transgressões, aplicando as respectivas multas e fixando o valor das indemnizações.
Este júri podia ser constituído por motivo de uso das águas ou de exploração das terras.
As funções inerentes aos cargos de juiz de paz ou de membro do júri avindor eram gratuitas, tendo no entanto direito a ser reembolsados, quer das despesas efectuadas por motivo das investigações e diligências efectuadas, quer das remunerações eventualmente perdidas no exercício das funções.
Não se conformando as partes com as decisões do juiz de paz ou do júri avindor, cabia recurso para o juiz de direito da comarca, cumpridos certos pressupostos.
Tudo isso acabou com a modernidade e o garantismo. Hoje a resolução de um litígio demora uma eternidade, fruto da desorganização da Justiça, do fundamentalismo burocrático e do entupimento dos serviços judiciais.
Tudo tem que ir a juízo, seguindo o manancial de regras e de prazos estabelecidos. Já não há «homens bons» na nossa sociedade, porque só ao juiz formado na universidade e com os códigos enfiados na cachimónia, é possível decidir e fazer Justiça.
Ainda andou por aí uma tentativa de reintrodução dos julgados de paz, mas o fanatismo da formalidade e o do garantismo deitaram tudo a perder.
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«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis
Em Aguiar da Beira existe um Julgado da Paz… Não sei como funciona, mas existe…
E quanta razão tem este artigo! Não conhecendo eu a realidade vivida nos tempos do juiz de paz, a verdade é que o conceito me agrada e é aplicado noutros países. Em vez disso temos programas “simplex” que nada simplificam, temos a justiça emperrada por uma burocracia doentia. Isto tudo com os resultados que se conhecem. Infelizmente, algo assim nunca voltará a existir em Portugal. Os lobbys têm muita força.