RECEITAS GASTRONÓMICAS – SÁVEL – Antigamente, ia-se à beira-rio, arranja-se uma vara de choupo ou amieiro e por 20 ou 30 escudos se trazia um belo sável dependurado pela guelra…

Em que casa rica, remediada ou mesmo pobre faltava uma posta de sável? Haveria comida mais abundante e democrática na Primavera?
Enfim, bons tempos, porque hoje foi chão que deu uvas e os pouquíssimos exemplares que aparecem à venda mais caros que lagosta, dizem que são pescados por espanhóis no rio Minho.
Muitos se recordarão de uma deliciosa posta de sável frita acompanhada de um malandro arroz de mílharas e de uma fresca salada de alface, que era petisco obrigatório no domingo de Páscoa depois das famílias receberem a visita do compasso.
Também tinham um sabor especial umas postas bem salgadas para ficarem rijinhas, e depois cozidas com batata nova e umas ervilhas de quebrar!
E feito de um dia para o outro com molho de escabeche bem avinagrado para amolecer as espinhas?
Vou, porém, confessar um pecado de gula. O sável no espeto é mesmo o meu preferido, que aprendi a fazer de tantas vezes, desde catraio, o ver preparar em Arnelas, mesmo à beirinha do Rio Douro e depois na nossa casa em Avintes.
Trata-se de um petisco com um ritual muito próprio:
«Corta-se o bicho que deve, de preferência, ter de 3,5 kg a 4 kg, em postas de três dedos de largo e põe-se a temperar num alguidar com água bem salgada. Quando os olhos ficam baços/esbranquiçados está pronto de sal. Enfiam-se, então as postas atravessadas no espeto e coloca-se a assar sobre um bom braseiro de lenha de poda que entretanto se fez. Só pode ser lenha de poda, por causa do fumo e porque não entra em chama com a gordura a pingar!
À parte, faz-se uma boa quantidade de molho com azeite, pimenta, alho, pimenta e bastante cebola.
Quando as postas começam a alourar, untam-se com o molho para ficarem ainda mais suculentas, com um raminho de salsa atado a uma vara.
Depois de assadas, retiram-se as postas do espeto com cuidado para que não se partam (proteger as mãos com um pano grosso dá muito jeito!) e vão a refogar uns 20 minutos em púcaras de barro, cobertas e aconchegadas nas cinzas ardentes da lenha de poda, com o molho de azeite e cobertas de cebola.
À parte, está a fazer-se o arroz do mesmo sável: deixa-se ferver num tacho com estrugido as mílharas, e a cabeça com um bom cachaço do bicho.
Tira-se as espinhas e os ossos da cabeça quando cozida, desfazem-se as mílharas e volta tudo para o tacho com uma folhinha de louro e um pouco de salsa, ajustando-se a água e o tempo de cozedura do arroz para que fique malandro e pronto quando o sável assado estiver pronto.»
Muito importantes dois conselhos: em primeiro lugar, nestes casos a comida para chegar tem de sobrar, e, depois, o sável e o arroz não podem esperar por nós, mas nós por eles.
Diga-se, finalmente que todos estes passos devem ser acompanhados de uma boa conversa, bem regada com um bom vinho ao redor do braseiro enquanto o animal assa, e depois ao redor da mesa, com a família ou um bom grupo de amigos, porque a receita não funciona para uma ou duas pessoas. E é imprescindível que haja tempo para comer, rir e, sobretudo, conversar muito.
À sobremesa vai bem um creme queimado e para a digestão, aconselha-se um bom jogo da malha no quintal de trás!
Bom apetite!
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«Emoções Gastronómicas», opinião de Paulo Sá Machado
O sável é um petisco gastronómico de consumo ocasional pela sua sazonalidade. As confrarias gastronómicas continuam a promover o seu consumo o que mantém a sua procura, mas a sua receita, porque menos vulgar e conhecida, deve ser divulgada e preservada.
Parabéns pela partilha.
Juvenal Nunes
Tive o prazer de este sábado 21/5, estar em Arnelas para o que fomos de propósito, comer sável fumado na barrica e, sável grelhado no espeto com o imprescendível arroz de ovas. O que posso dizer? Há que preservar estes pequenos nadas que engrandecem a identidade de um povo, lutando contra algumas manias da modernice. Em respeito à comidinha, era uma coisa do outro mundo, simplesmente divinal. Espero lá voltar.
Óptimo petisco! Sou um grande apreciador de savel, pelo que recomendo vivamente esta bela receita com que o senhor Paulo Sá Machado nos brindou.