O director do Teatro Municipal da Guarda, Américo Rodrigues, recebeu na segunda-feira, 25 de Abril, a Medalha de Mérito Cultural da mão da Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, que disse tratar-se de uma homenagem «sentida, profunda e sincera», que enaltece o trabalho cultural realizado pelo agraciado nos últimos 30 anos.
Américo Rodrigues, de 50 anos, natural do Barracão (Guarda), é licenciado em Língua e Literatura Portuguesa e mestre em Ciências da Fala. Fundador do teatro Aquilo, foi durante anos coordenador do Núcleo de Animação Cultural da Câmara Municipal e é, desde há seis anos, o director do Teatro Municipal da Guarda (TMG). Homem de variados talentos é actor, dramaturgo, poeta, escritor, encenador e programador cultural, cujas actividades tem desenvolvido em favor da sua cidade.
A ministra, perante o curriculum avassalador do galardoado, disse ser «elucidativo de todo um percurso dedicado à acção e à dinamização da cultura e, sobretudo, à sua cidade e ao seu distrito».
O homenageado também usou da palavra para agradecer o reconhecimento público do trabalho que tem desenvolvido, garantindo que continuará empenhado no seu trabalho, persistindo e avançando na perspectiva de o melhorar.
Publicamos seguidamente, na íntegra, a intervenção de Américo Rodrigues.
«Exma Sra. Ministra da Cultura
Exmo Sr. Governador Civil do Distrito da Guarda
Exmo Sr. Presidente da Câmara Municipal da Guarda
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Caros amigos,
Nasci aqui e quis viver aqui. Nesta cidade que sempre quis transformar. Respondendo a um apelo identitário decidi que seria aqui que construiria sonhos e concretizaria utopias. A Guarda exercia e exerce sobre mim um fascínio que será difícil de explicar mas que se enriquece no contacto diário com as pessoas da minha terra. Sei que a Guarda pode ser, frequentemente, muito fria em relação a projectos de ousadia, mas também sei que pode ser afectuosa, cúmplice e solidária. Conheço a Guarda, ao que julgo, com profundidade. Escolhia-a! Escolhi que seria na cidade que Eduardo Lourenço chamou de “reaccionária” que lançaria as sementes da inquietação e da rebeldia. Para que ela mudasse. Acredito, pois, na capacidade transformadora da Cultura, na força emancipadora da Cultura. Acreditei que a Guarda seria território da felicidade e persigo essa ideia desde que aqui decidi ficar. Fiquei para contribuir para revolucionar a Guarda. Calma! Eu sei como o verbo “revolucionar” pode ser, nos tempos que correm, assustador! Utilizemo-lo, então, com parcimónia. O que eu sempre quis foi ajudar a Guarda a vencer o imobilismo, a furar o cerco do subdesenvolvimento, a acreditar em si própria! Acreditei sempre numa cidade onde coubéssemos todos mais as nossas melhores ideias de progresso. Acreditei sempre que a Guarda poderia deixar de ser provinciana e que merecia ser moderna, arejada, cosmopolita. A Cultura como impulsionadora do desenvolvimento, a Cultura como apelo à cidadania.
Vi os meus amigos partirem. Quase todos desistindo da Guarda. Procurando noutros locais o seu espaço para crescerem. Eu fiquei mas isso não fez de mim, necessariamente, um resistente. Fez de mim alguém que, amando uma cidade, não se quis resignar à vidinha confortável e obediente. Lutei (e isso ninguém mo pode roubar) e continuarei a lutar por uma Guarda e um país melhores, utilizando a Cultura.
Ao longo destes anos fui autor, actor, animador, provocador. Criei e organizei milhares de projectos. Ou seja, cumpri o que prometi: participar na construção de uma nova cidade nova. Muitas vezes apoiado, outras vezes desapoiado. Algumas vezes com êxito e outras vezes com insucesso. Às vezes, quase desistindo. Outras vezes, procurando forças em inimagináveis reservas de alma. Lutando contra a indiferença, enfrentando incompreensões, oferecendo o peito a todas as adversidades, respondendo a acusações. Como se a Cultura fosse uma questão de vida ou de morte. Eu, que sempre entendi que a Cultura era vital!!!
Não me tenho limitado ao exercício da criação e dinamização culturais. Não me encaixo, também, no perfil do animador que contrata artistas e foguetório. Ou indica quando o público deve bater palminhas! Nunca quis ser sacristão de políticos que acham que cultura é entretenimento ou flor para colocar na lapela, duas vezes por ano. Para mim, a Cultura, como se viu, é algo de extremada importância. E, por isso, o cidadão que sou nunca deixou que o calassem. Como cidadão participo activamente e criticamente na vida da minha cidade. Por vezes de forma dura, cheio de convicções e perplexidades. Mais uma vez, porque a Guarda é o “centro do mundo”, do meu mundo, como disse Alberto Dinis da Fonseca, o inventor do slogan “Até o anjo é da Guarda!”. Parece evidente mas é com ideias simples e visionárias que se há-de construir uma Guarda de sonho!
Confesso que sou culpado. De desejar que uma cidade se desenvolva harmoniosamente: a Cultura como prioridade estruturante. Confesso que sou um lutador incansável e que dificilmente baixarei os braços. Confesso que sou um homem livre e que como cidadão de corpo inteiro me manterei. O trabalho que fiz pela promoção cultural da Guarda e seu distrito, em três décadas de trabalho, é, no entanto, uma gota de água. Há, portanto, que continuar o caminho. Todos os dias.
O TMG é, sem sombra de dúvidas, o caso mais visível do esforço, na área da Cultura, que se está a fazer na Guarda. Ele deve-se à lucidez de quem o sonhou e de quem o concretizou. E de quem quis que ele se mantivesse. Mulheres e homens, políticos, que perceberam que a Guarda necessitava de um equipamento que é uma referência para o país: a partir de uma pequena cidade, um pequeno Teatro contribui para a afirmação da terra e da região, e para a valorização cultural dos seus habitantes. Agradeço a quem não pensou “pequenino”. A quem correu o risco de enfrentar a mentalidade paroquial que caracterizou a Guarda durante tantos anos!
Neste processo do TMG eu sou, apenas, aquele que programa, que dirige o “óvni”, que faz o melhor que pode para não envergonhar quem lançou o projecto. Faço-o com intensidade, como sempre. Às vezes de forma visceral. Entregando-me à tarefa de criar uma programação que não parta do princípio estúpido de que se estão a “atirar pérolas a porcos”. Não, a Guarda e a sua região merecem o melhor! A minha exigência e o meu rigor estão ligados a esta concepção: as pessoas da nossa terra devem ser tratadas com todo respeito, ou seja, devem poder aceder a uma programação de qualidade e diversidade, intimamente ligada à comunidade e ao seu imaginário.
Receber esta medalha no dia 25 de Abril é para mim uma honra! Sim, porque foi o acto revolucionário do 25 de Abril que, para além de outros direitos de cidadania, trouxe a Portugal a democratização do acesso à Cultura. Nem que fosse por isto teria valido a pena fazer o “25 de Abril”!
Como sabemos, vivem-se tempos marcados pelo populismo e por discursos economicistas e catastróficos. Nestas circunstâncias, a Cultura tende a ser esquecida, relegada para o plano das coisas menores. Assim, mais significado tem este gesto da Sra. Ministra da Cultura.
Cumpre-me, então, agradecer à Sra. Ministra da Cultura a distinção agora recebida. Não desconheço que esta medalha significa o reconhecimento público pelo trabalho que tenho realizado. Porém, também não quero esquecer que o acto de receber a medalha de mérito cultural me responsabiliza fortemente. A continuar, a persistir, a avançar, a melhorar! Aceito o desafio!
Boa noite e muito obrigado!
Américo Rodrigues
25/4/11»
plb
Merecido reconhecimento!
Não sei se o Américo se presta muito a este tipo de manifestações. Somos amigos desde os tempos de liceu, fomos colegas na associação de estudantes no liceu afonso de albuquerque em 1977? e o Américo sempre foi um homem de cultura. Irreverente e por vezes incompreendido a guarda muito lhe deve em termos culturais. Da minha parte confesso que nos idos de 77 li mário henriques leiria, antónio maria lisboa, Luiz pacheco, por indicação do Américo. Num destes dias confessou-me que nessa época de juventude ouviu Stranglers por meu intermédio e que mais tarde trouxe à Guarda. Já é alguma coisa. Do que não há duvidas é que o Américo tem feito um bom trabalho na àrea da cultuira na Guarda. Parabens amigo Américo.
Com que então andaste pelos surrealistas? Bom gosto. Eu o Luís Pacheco tive a sorte de o conhecer pessoalmente. Uma figura ímpar nos seus óculos garrafais, cabelo em desalinho e barba de dias. Fomos algumas vezes a uma das antigas leitarias de Lisboa, com uns azulejos magníficos com cenas do campo (acho que se chamava brilhante) mas que só servia vinho e cerveja. Sinais dos tempos. Iamos só pelo divertimento do alcool numa leitaria. Ficava na rua do animatógrafo, uma perpendicular entra a Praça da Figueira e Rossio. Eram umas tertúlias surrealistas, mesmo! LOL
Escrevi Luiz com “S”… de propósito. O Pacheco afinava!