Confesso que não compreendo o frenesim que vai por aí por causa da canção «Parva que sou», dos Deolinda. Deve estar a ficar «bota-de-elástico», mas não penso que essa canção seja assim tão interessante ou, como o cronista sr. Ramiro Matos lhe chamou aqui no blogue, uma das grandes canções deste século que irá «mexer» com muita gente.
Acho os Deolinda um fenómeno de moda, que até poderá durar muitos anos, mas não terá, nunca o impacto de um José Afonso na sua importância, tanto musical como poética (analisando-o, apenas, no seu prisma de cantor de intervenção).
Embora seja do século passado, muitas das canções (de intervenção) do Zeca Afonso mantêm-se actuais e são, constantemente, recriadas por músicos das novas gerações.
Não estou a ver o José Afonso a escrever uma letra com os versos «Sou da geração sem remuneração e não me incomoda esta situação, porque isto está mal e vai continuar» ou «Sou da geração ‘vou-me queixar para quê’?», como está em «Parva que sou», uma vez que ele dizia, sempre, que as pessoas deviam lutar e «criar desassossego» e não resignarem-se, como me parece ser a interpretação da letra da canção dos Deolinda (mesmo que seja de uma forma irónica). Pessoalmente gostava mais de um grupo que a Ana Bacalhau (vocalista dos Deolinda) tinha antes, chamado Lupanar, que trazia propostas bastante mais inovadoras e criativas.
Descendo mais à terra, e sendo ainda mais «bota-de-elástico», anda por aí um tema de Paco Bandeira (com vídeo no youtube), que parece que nunca passa nas rádios, num estilo musical a imitar a chula, que também é de intervenção, e, quanto a mim retrata bem melhor a realidade portuguesa, destes tempos. A sua letra reza o seguinte:
Viva Portugal do «deixa andar»
Viva o futebol cada vez mais
Viva a Liberdade, viva a impunidade
Dos aldrabões quejandos e que tais
Viva o Tribunal, viva o juiz
E paga o justo pelo pecador
Viva a incompetência, viva a arrogância
Viva Portugal no seu melhor
Viva a notícia, da chafurda social
De que o Povo tanto gosta
Espectáculo da devassa Refrão
Viva o delator sem fuça
É a morte do artista
Viva a «petineira» do «show-off»
Dos apresentadores de televisão
Viva a voz do tacho
De quem vem de baixo, do chefe do ministro ou do patrão
E viva a vilanagem financeira
E a licenciatura virtual
Viva a corretagem, viva a roubalheira
Viva a edição do «Tal & Qual»
E viva a inveja nacional
Viva o fausto, viva a exibição
Da dívida calada, que hoje não se paga
Mas amanhã os outros pagarão
Viva a moda, viva o Carnaval
Como uma ilusão, larilolé
Viva a tatuagem, brinco à «bebunagem»
Que vai na Internet e na TV
Calem-se o Cravinho e o bastonário
O Medina, o Neto e sempre o Zé
Viva o foguetório, conto do vigário
Que dá p’ra Aeroporto e TGV
Viva o mundo da publicidade
O «share» ou não «share» eis a questão
O esperto da sondagem, o assessor de imagem
Viva o fazedor de opinião.
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«Política, Políticas…», opinião de João Aristides Duarte
(Membro da Assembleia Municipal do Sabugal)
Caro Ramiro Matos:
Exactamente por a importância de uma canção de intervenção não se medir pela qualidade é que eu resolvi colocar aqui a do Paco Bandeira. É bom que se diga que José Afonso considerava como o seu melhor álbum o “Com as Minhas Tamanquinhas” de 1976, onde (curiosamente) participa Quim Barreiros, apesar de ser o disco mais intervencionisma de toda a sua carreira. Ouvido hoje até é muito bom, com muita qualidade, mas na época foi considerado por um painel de críticos de música (na ressaca do 25 de Novembro) como o pior disco do ano da música portuguesa de 1976.
Sobre Abrunhosa: no tempo do Cavaco era uma coisa, ultimamente ,e desde há uns anos, deixou de ter qualquer interesse, pelo menos para mim.
Caro Joao Duarte
Como dizia na minha escrita, nem gosto dos Deolinda, nem acho que venham a ter grande lugar na história da música portuguesa.
Tambem nao gostei da celebre canção do Abrunhosa, mas isso nao lhe retirou a importância no tempo do Cavaco.
Como também nao gostei dos cus a mostra de alguns estudantes, mas nao lhe retiro a carga política que aquele momento assuimu.
E foi isso que quiz dizer quando referi a importância desta canção dos Deolinda.
Quer se queira, quer nao queira ela vai ser o hino de muita juventude portuguesa e já está a ser utilizada no debate político de uma certa esquerda.
E permita-me que lhe diga que a importância de uma música de intervenção não se mede pela qualidade da mesma mas pela capacidade que tem de motivar as massas, como muito bem sabia o José Afonso.
Meu Caro João Duarte
Não se preocupe. Tal como nós, existem, nesta matéria, muitos “botas de elástico”, se não mesmo a maioria.
Mas, por favor, não meta no mesmo saco o Zeca Afonso. Nem mesmo só para dizer que este não tem nada a ver com “Deolindas e outros que tais”. Aquele abraço. VC
Boa!! esta sim, é cá das minhas!! vamos lá ver se vai passar na censura…