José Saramago passou pelo Sabugal nos finais da década de 1970, tomando as notas que dariam origem ao seu livro Viagem a Portugal. Junto à capela da Senhora da Graça tentou ver os afamados ex-votos que ali existem, mas prosseguiu o seu roteiro sem que lhes tenha colocado a vista em cima.
Quando chegou às «brandas Beiras», pernoitou na Guarda, e de lá rumou a Belmonte, depois a Sortelha, chegando ao Sabugal ao fim da manhã. Veio, como ele mesmo afirma, na mira dos ex-votos populares do Século XVIII, buscando-os na ermida de Nossa Senhora da Graça. Contudo o Ti Simão, de todos conhecido por Ratinho, guarda do santuário, não lhe soube dizer onde estavam, contentando-se o viajante com uma breve visita à capela nova, que achou de «espectacular mau gosto».
Os gostos não se discutem, que cada um tem seu quadro de sainetes, que devemos respeitar. Ainda assim se lamenta que o nosso Nobel não tenha reparado na planta pentagonal da igreja, com forte simbolismo, ao imitar a forma da torre de menagem do castelo. O viajante almoçou no Sabugal, não referindo em que restaurante, Contudo foi em local central, porque deixou a nota de reparo: «Nada mais viu que o geral aspecto duma vila ruidosa que vai para a feira ou vem de feirar.» Desiludido com o Sabugal retornou à Guarda, e dali foi a Cidadelhe, no concelho de Pinhel, onde andou muito animoso e mais demorado.
Dos afamados ex-votos que José Saramago procurou e não viu, nos apraz agora escrever. De facto, a capela da Senhora da Graça, tem depositadas essas esplêndidas ofertas à Virgem. Quando Saramago veio ao santuário, não revelando a conselho de quem, as peças de arte que procurava estariam depositadas na sacristia da capela velha, degradadas e amontoadas a um canto. De pouco lhe valeria tê-las examinado, e talvez fosse isso que levou o guardião a dizer que desconhecia o seu paradeiro.
Os painéis dedicados à Senhora da Graça, existentes no Sabugal, hoje recuperados e restaurados, foram elaborados com perícia e aptidão, sendo autênticas obras-primas. Encontram-se devidamente catalogados e são considerados da maior importância no campo da arte sacra.
Analisemos um deles, que no presente se encontra exposto na capela do santuário. Trata-se de uma tela pintada a óleo, datada de 25 de Maio de 1760. Por ela se agradece o milagre que Nossa Senhora da Graça concedeu a uma religiosa, afectada com um cancro num peito, despedida pelos médicos, mas que foi salva pela intervenção divina.
A representação é obra de artista, desenhada com primor, contendo, em pormenor, todos os elementos que devem constituir este tipo de obras de arte. Em baixo representa-se a paciente, amparada e consolada pelas enfermeiras que dela cuidam. Ao lado os médicos com ar de desalento, seguros de que nada mais pode fazer a ciência para salvar a doente. Numa mesa coberta com vistosa toalha, repousam os frascos de remédios e demais instrumentos da medicina. Fixadas na parede do quarto estão representações da Virgem e do Sagrado Coração, um espelho e um ramo de flores. Em cima, do lado esquerdo, sob um claustro gradeado representa-se um grupo de sete religiosas rezando à Virgem pela salvação da irmã doente.
No canto superior direito está uma nuvem contendo no interior uma comovente representação de Nossa Senhora da Graça, de túnica branca e manto azul ferrete, com o Menino Deus no regaço. À sua volta seis querubins fazem-lhe escolta, concedendo-lhe especial encanto. Em rodapé a legenda em português vernáculo, explicando o milagre que Nossa Senhora concedeu à religiosa. A moldura de madeira, dum vivo azul celeste, dá ao quadro um magnífico efeito, ajudando a tecer o jogo das tonalidades que o compõem.
Os ex-votos de Nossa Senhora da Graça estão agora expostos na capela do santuário, graças à acção de uma mordomia, que decidiu recuperar estes importantes testemunhos da fé popular, autênticas obras-mestras da arte sacra.
Paulo Leitão Batista
Mereciam uma exposição alusiva… (pela amostra, até têm alguma qualidade artística, em relação a outros que já vi).