Engenho tosco e primitivo, de mecânica simples, o pisão perdurou durante séculos ao serviço da indústria têxtil. Todo armado em madeira pesada, movido pela força da água, era através deste instrumento que se sovavam os tecidos de lã para ganharem firmeza.
Quando os panos de lã saem do tear apresentam-se frágeis, com pouca consistência, desfiando-se com facilidade. A cherga precisa de ser submetida a um tratamento que lhe dê firmeza, passando então pelo enfortimento, com recurso ao pisão. Nesse engenho, o tecido, envolto em água, é batido insistentemente, assim lhe comprimindo as fibras e dando origem a um pano forte e encorpado. Do novo tecido talham-se as mantas para uso doméstico e os buréis, dos quais se confecciona a roupa grosseira com que se enfrenta o frio.
Os pisões estavam instalados junto a cursos de água, em regra dentro de toscos casebres, anexos à habitação do mestre pisoeiro. Basicamente, o engenho era constituído por uma roda motriz, tocada pela água que cai de um caleiro, fazendo girar o eixo que, por sua vez, move dois maços (ou malhos) que, alternadamente, batem o tecido colocado na masseira. Uma pequena cale conduz água quente para a masseira, vinda de uma caldeira. O segredo do bom pisoamento está em manter o tecido molhado, enquanto os maços o sovam, assim se facilitando a compressão das fibras.
A humidificação dos panos tinha também por finalidade a remoção de toda a sujidade da lã. Se bem que tal se conseguisse por efeito da água quente que vinha da caldeira, também foi uso utilizar urina humana, geralmente já em decomposição, fazendo as vezes de amoníaco. Para garantir tal tratamento, não era suficiente a urina que a família produzia e que, diligentemente, era recolhida e levada para o pisão. De ordinário, o pisoeiro tinha de angariar urina nas aldeias mais próximas, transportando-a depois para sua casa, com recurso a bestas de carga.
Essa lide constante com as urinas decompostas, associada ao manuseamento das mantas no pisão, levavam a que o pisoeiro exalasse um intenso cheiro a mijo, descoberto a dezenas de metros, contribuindo isso para que o mestre do pisão descesse na consideração social. Era hábito ser mimoseado com graçolas de mau gosto ou sujeito a ser apelidado de Zé ou João do Mijo, pela mesma medida comendo a mulher, os filhos e a demais família chegada. Mas, mau grado esse facto, o mestre pisoeiro gozava da devida reputação, dada a importância que a sua actividade tinha para o fabrico de mantas e de roupas de lã, com as quais os habitantes das aldeias se livravam do frio.
Os pisões desapareceram de todo. São apenas memória, substituídos que foram pelas máquinas com badanos metálicos. Desmantelados e em ruínas, são apenas um difuso vestígio do passado.
Paulo Leitão Batista