Continuando a divulgação de música de tradição oral que recolhi, no Soito, apresento nesta crónica uma canção religiosa intitulada «Santo Antão da Murganheira».
Sabe-se que a música de tradição oral, em Portugal, apresenta-se divida em vários subgéneros de que fazem parte, entre outras as canções de trabalho, as canções religiosas e as cantigas para dançar.
A informante desta, bem como de todas as canções referidas nesta série de crónicas, foi a minha tia Luísa Dias Aristides (na foto), hoje com 98 anos.
Esta canção é uma típica canção de romaria, que terá tido origem na disputa entre as aldeias do Soito e Vila Boa a propósito de qual delas seria a soberania da capela de Santo Antão, que existe no lugar da Murganheira, perto do Soito e de Vila Boa.
Durante anos a população do Soito venerava a imagem de Santo Antão, como se fosse do Soito, embora pertencesse (como ainda hoje) à freguesia de Vila Boa.
Parece-me que esta cantiga apresenta semelhanças com as cantigas de romaria da Beira-Baixa, sendo mais um exemplo da proximidade geográfica poder ter influenciado o surgimento de várias cantigas, tal como referido pelo etnomusicólogo José Alberto Sardinha.
As pessoas do Soito iam em romaria, com carros de vacas enfeitados, até à ermida do Santo Antão, tal como refere a letra da cantiga. A imagem de Santo Antão tem um porquinho ao fundo dos pés, facto que é, também, referido na canção. A letra da cantiga é a seguinte:
Mais acima, mais abaixo
Tem uma bela junqueira
E à porta da capela
Tem uma bela «moreira»
(refrão)
Já é nosso! Já é nosso!
O Santo Antão
Da Murganheira
Viva o Santo Antão
Que é rei dos «labradores»
Levam carros e carretas
Enfeitadinhos de flores
(refrão)
Já é nosso! Já é nosso!
O Santo Antão
Da Murganheira
Ó Divino Santo Antão
Que andais aqui fazendo
Ando a ver do porquinho
Que me fugiu para o Ozendo
(refrão)
Já é nosso! Já é nosso!
O Santo Antão
Da Murganheira
Devo dizer que qualquer uma das cantigas recolhidas no Soito poderiam, facilmente, fazer parte do reportório de um desses grandes grupos de recriação da música tradicional portuguesa, como a Brigada Victor Jara ou a Ronda dos Quatro Caminhos.
Como esta região do concelho de Sabugal não foi muito visitada por etnomusicólogos é, pois, natural, que as cantigas daqui não sejam muito conhecidas. Não tendo sido objecto de estudo por etnomusicólogos, é natural que não tenham divulgação.
No concelho de Sabugal tenho conhecimento que uma cantiga da apanha da azeitona de Quadrazais intitulada «Azeitona Cordovili» foi recolhida por José I. Franco, em 1940 nessa localidade e está no livro «Cancioneiro Popular Português», de Michel Giacometti.
Também José Alberto Sardinha recolheu duas cantigas, no final da década de 1990, na Bendada.
Em termos de temas da tradição oral do concelho de Sabugal que foram objecto de recriação, para além da «Canção das Maias» (de Alfaiates) recriada pelos Chuchurumel e mencionado na crónica anterior; conheço também a recriação de «Entrudo» (de Aldeia do Bispo) recriada pelos Assobio, no seu CD de 2009.
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«Memória, Memórias…», crónica de João Aristides Duarte
(Membro da Assembleia Municipal do Sabugal)
José Alberto Sardinha recolheu duas cantigas, em 1990, na Bendada. Essas cantigas eram “Amores, Amores”, um canto polifónico e “Coradinha”, um canto a solo por um mulher.
Estas cantigas da Bendada foram editadas num conjunto de seis CD’s distribuídos com o diário “Jornal de Notícias”, em 1997, numa colecção intitulada “Portugal – Raízes Musicais”, sob a orientação de José Alberto Sardinha.
A letra de “Coradinha” é a seguinte:
Coradinha já morreu
Já a foram enterrar
Bai, bai, Coradinha
Bai, bai
A quem deixaria ela
A caixinha de rapé
Bai, bai, Coradinha
Bai, bai
A quem deixaria ela
A barra da saia preta
Bai, bai, Coradinha
Bai, bai
A quem deixaria ela
A barra de cachoné
Bai, bai, Coradinha
Bai, bai
Note-se a troca do “V” pelo “B” na palavra “vai” e a semelhança de parte da letra com o famoso tema algarvio “Tia Anica de Loulé”.