Os ciganos aparecem pela primeira vez em Paris em 1427 assentando os seus arraiais num acampamento em Saint-Antoine-des-Champs, em Neuilly e em Ville-d’Évéque.
A Portugal, os ciganos chegaram também pelos finais do século XV e o conceito que a população fez deles também foi o mesmo.
Gil Vicente, dedicou-lhes uma peça de teatro – Farsa de Ciganos – representada em Évora, em 1521 ou 1525 em que os identifica já como gente nómada dedicada ao roubo.
Dominam o comércio das cavalgaduras, em especial aquelas que se encontram doentes fazendo-as passar por animais de boa saúde.
Celebrizaram-se também por se dedicaram às práticas de feitiçaria, quiromancia e cartomancia, prática que de vida que mantiveram até meados do século XX, enquanto o país se manteve essencialmente rural.
O Abade de Baçal nas suas «Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança» dedica um texto aos ciganos no distrito de Bragança no tomo V onde descreve que a sua vida era vaguear de terra em terra, roubar quanto podiam, ler a buena dicha, pouca religião, vestidos imundos, rosto trigueiro amarelado, cabelos pretos, a que juntaram práticas supersticiosas de feitiçaria para melhor armar os efeitos rapinantes.
No romance «Celestina», a propósito da romaria à Senhora da Póvoa, o nosso patrício Joaquim Correia conta-nos um episódio do roubo de uma égua e sua revenda ao dono pelos ciganos, totalmente repintada para disfarçar os sinais, dando-nos conta precisamente deste tipo de vida.
A maioria dos livros que existem sobre o assunto no nosso país, nomeadamente «O Povo Cigano» de Olímpio Nunes, a «Etnografia Portuguesa» de Rocha Peixoto, e o vol. IV da «Etnografia Portuguesa» de Leite de Vasconcelos, reflecte esta opinião geral também.
Evocando tudo isto, D. João III, pelo Alvará de 13 de Março de 1526, proibiu-os de entraram em Portugal, ordenando a expulsão de todos os que aqui viviam. Ao longo dos séculos são inúmeras as leis promulgadas com idêntica finalidade. Sempre mais severas, mas sempre inúteis. Uma das últimas, foi a de D. João V, em 10 de Dezembro de 1718.
A partir do século XIX, o Estado deixou de colocar a questão da expulsão dos ciganos, passando a considerá-los cidadãos portugueses, embora as posturas policiais e municipais os condenassem à mesma vida errante, proibindo a sua permanência prolongada nos aglomerados populacionais.
Actualmente, a maioria sedentarizou-se e dedica-se à vida ambulante e as carroças foram sendo substituídas por carrinhas, enquanto as tendas foram sendo substituídas por barracas e habitação social.
A estratégia de integração em Portugal tem passado pelo acesso da comunidade a habitação social e ao «rendimento mínimo garantido», em contrapartida pela escolarização das crianças ciganas, numa filosofia de integração gradual das futuras gerações pela aculturação, mas com resultados duvidosos, dada a elevadíssima taxa de insucesso escolar.
No entanto, muito está por fazer: Apesar de mais de dois terços dos sete a oito milhões de ciganos do mundo viverem na Europa (Alemanha, 100.000; Albânia, 70.000; Bósnia, 17.000; Bulgária, 700.000; Croácia, 9.463; Espanha, 600.000–800.000; Grécia, 300.000-350.000; Hungria, 190.046; Polónia, 15.000–50.000; Portugal, 40.000; Reino Unido, 40.000; República Checa, 120.000–220.000; Roménia, 535.140, mas outros censos calculam entre 1.500.000-2.000.000; Eslováquia, 92.500; Turquia, 1.500.000 – 2 milhões), a Espanha é o país da União Europeia que mais fundos comunitários destina a programas orientados em exclusivo à integração de ciganos para o período 2007-13, com um total de 47 milhões de euros, e apenas mais quatro Estados-membros dispõem de programas de integração destinados aos ciganos (República Checa 43 ME, Roménia 38 ME, Eslováquia 26 ME e Polónia 22 ME), segundo números divulgados recentemente pela Comissão Europeia, no âmbito do debate sobre as expulsões levadas a cabo por França.
Portugal, contudo não tem qualquer programa específico de integração dos ciganos como estes países.
A escolarização que implementamos como contrapartida aos apoios sociais é redutora e, pelos seus fraquíssimos resultados (taxas de sucesso por vezes de apenas 1,4%) não é solução, devendo ser substituída por um ensino específico que vá ao encontro das necessidades da comunidade, designadamente com reforço da componente de ensino profissional e medidas que respeitem e até preservem a especificidade e cultura do povo cigano.
O caminho certo nunca é o da exclusão como faz a França, mas também nunca o da integração forçada como pretendemos e que não está a resultar.
É que o povo cigano tem, pelo seu modo de vida tradicional e que está hoje ameaçado, uma noção de liberdade que nós, gadjés, não temos e que é a alma da sua cultura:
«Com estas y con otras leyes y estatutos, diz ainda o velho cigano de La Gitanilla, nos conservamos y vivimos alegres; somos señores de los campos, de los sembrados, de las selvas, de los montes, de las fuentes y de los ríos. Los montes nos ofrecen leña de balde; los árboles, frutas; las viñas, uvas; las huertas, hortaliza; las fuentes, agua; los ríos, peces, y los vedados, caza; sombra, las peñas; aire fresco, las quiebras; y casas, las cuevas. Para nosotros las inclemencias del cielo son oreos, refrigerio las nieves, baños la lluvia, músicas los truenos y hachas los relámpagos. Para nosotros son los duros terreros colchones de blandas plumas: el cuero curtido de nuestros cuerpos nos sirve de arnés impenetrable que nos defiende; a nuestra ligereza no la impiden grillos, ni la detienen barrancos, ni la contrastan paredes; a nuestro ánimo no le tuercen cordeles, ni le menoscaban garruchas, ni le ahogan tocas, ni le doman potros. Del sí al no no hacemos diferencia cuando nos conviene: siempre nos preciamos más de mártires que de confesores. Para nosotros se crían las bestias de carga en los campos, y se cortan las faldriqueras en las ciudades. No hay águila, ni ninguna otra ave de rapiña, que más presto se abalance a la presa que se le ofrece, que nosotros nos abalanzamos a las ocasiones que algún interés nos señalen»…
Se não percebermos isto, arriscamos a que percam a sua identidade, ou que uma integração mal feita, acabe o que ainda resta desta particular riqueza da cultura cigana…
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«Arroz com Todos», opinião de João Valente
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