Nesta onda de Verão, continuo hoje uma curta digressão sobre alguns dos meus prazeres culturais…
Como já havia dito devo quase tudo da minha ligação à leitura ao Sr. Pratas da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian.
Foi através dele que conheci uma grande parte dos escritores contemporâneos portugueses (curioso, verifico agora que pouco li nessa altura dos escritores portugueses mais clássicos).
Assim, aprendi a gostar de escritores como José Gomes Ferreira (praticamente hoje ignorado, mas que devia ser de leitura obrigatória, com destaque para as Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo); Aquilino Ribeiro; Miguel Torga; Manuel da Fonseca (a quem devo noites de Bairro Alto inesquecíveis, quando se sentava a uma mesa, pedia uma garrafa de vinho e em voz alta começava a escrever falando…); Carlos de Oliveira (Uma Abelha na Chuva que Fernando Lopes viria a transformar num filme maravilhoso); Augusto Abelaira; Fernando Namora (mal amado por uma parte da classe intelectual lisboeta); Ferreira de Castro; Jorge de Sena; José Rodrigues Miguéis; Vergílio Ferreira; Vitorino Nemésio; Sophia Andresen (obrigatório ler a correspondência entre Sophia e Jorge de Sena recentemente publicada …)
Mais tarde descobriria os clássicos como Júlio Dantas, Almeida Garret, Camilo Castelo Branco ou Eça de Queiroz (desculpem-me os seus admiradores, mas nunca me agradou muito…).
Por fim, não posso deixar de referir, entre os escritores mais recentes, Mário Cláudio, José Saramago (de que destaco por ser para mim o melhor «O Ano da Morte de Ricardo Reis»), Mário de Carvalho e Lobo Antunes (sobretudo esse fabuloso «Explicação dos Pássaros»).
Mas se o Sr. Pratas me ensinou a gostar dos escritores portugueses contemporâneos (quase todos editados pela Presença…), ensinou-me também a gostar dos escritores de outras línguas, com a literatura russa à cabeça – Dostoievski, Gorki, Tolstoi -, mas igualmente dos franceses Vítor Hugo, Proust, Saint-Exupéry, Zola, Balzac ou Flaubert.
No mesmo barco vinham outros escritores como Cervantes, James Joyce, Thomas Hardy ou Alan Poe.
Mais tarde descobri outros escritores que me deliciaram e me deliciam ainda: os japoneses YuKiu Mishima ou Haruki Murakami; o italiano (português?) António Tabuchi, o americano Paul Auster e, mais recentemente, o austríaco Musil ou o chileno Roberto Bolano.
Estes alguns dos escritores de quem aprendi a gostar…
Como ficou claro, devo muito do meu gosto pela leitura à Biblioteca Itinerante da Gulbenkian e penso que, como eu, muitos sabugalenses aprenderam o prazer da leitura pela presença periódica daquela célebre carrinha…
A mim ficou-me na memória aquele homem gordo e sorridente (Sr. Pratas) que numa tarde nos convidou a entrar, a mim e aos outros garotos que da escola víemos em correria para saber que «camioneta» era aquela…
Certamente outros terão outras recordações, mas penso que todos estaremos de acordo que aquele era um verdadeiro serviço público.
Deve estar a fazer este ano o cinquentenário da chegada da Biblioteca Itinerante ao Sabugal, o que seria uma óptima oportunidade para relembrar a sua importância.
E porque não, pois ali parou tantos anos, dar ao pequeno largo, hoje Largo do Rato, o nome de «Largo da Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian»?
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«Sabugal Melhor», opinião de Ramiro Matos
(Presidente da Assembleia Municipal do Sabugal)
Ramiro, o Sr. Prata também faz parte da minhas lembranças de juventude e a chegada da carrinha da Biblioteca da Gulbenkian era esperada sempre com ansiedade.
A ela… e ao acompanhamento e orientação do Sr. Prata, devo o gosto pela leitura.
Não há muito tempo recebi na Casa do Castelo um grupo especial de amigos, onde estava integrado o César Prata…devido ao nome imaginas como retirei as duvidas… perguntei se era familiar…”sim sou filho do Sr. Prata”.
Com a mesma atitude serena do Pai, contou-me como ele estava bem e prometeu-me trazê-lo aqui numa próxima oportunidade.
Assim, poderei ajudar-te a encontrá-lo.
E porque não trazê-lo à Casa do Castelo…juntarmos um grupo de “discípulos” e recebê-lo com toda a dignidade?
É uma ideia…
Deixem-me com as minhas memórias de, pelo menos, 50 anos e deixem-me romancear que o homem a quem mais devo do ponto de vista da minha ligação às letras se chamava Pratas e era gordo…
E se, como diz, ainda vive, seria possível arranjar-me o seu contacto para o poder rever?
Ramiro Matos
Permita-me douto conhecedor das letras referir que o Sr. Prata é ainda hoje um Senhor elegantérrimo e atento. Nunca foi gordo. Há confusões impossíveis quando somos crianças e vemos o mundo pela primeira vez. O companheiro do Sr. Prata de ar tranquilo e reservado era mais encorpado, mas a lembrança que guardo dele é apenas a calma, o sorriso e o cheiro a livros, outra forma de mirar e ler o mundo. Desculpe, mas as pratas e a gordura aqui …. entende ?