Visitei esta semana pela segunda vez a prisão do Tarrafal em Cabo Verde. Em ambas as visitas, os silêncios dominaram o percorrer daquele que também ficou conhecido como o «Campo da Morte Lenta». Nos silêncios ouviam-se os gemidos daqueles que por lá passaram. Nos silêncios ouvia-se a força da razão e da luta de todos os que querendo um pais melhor e diferente resistiram à tortura, à solidão, ao sofrimento, porque sabiam que da sua luta haveria de nascer uma alvorada de cravos vermelhos.
Com os silêncios troquei umas palavras comigo e romperam num turbilhão as memórias dos revoltosos da Marinha Grande em 1934, que fizeram parte dos 152 prisioneiros que inauguraram o campo, com Edmundo Pedro, dirigente da Juventude Comunista, também incluído no grupo dos primeiros prisioneiros.
Das vidas que por lá ficaram, vêm à memória Mário Castelhano, secretário da Confederação Geral do Trabalho, e director do seu jornal «A Batalha» que morre em 1940. Bento Gonçalves, secretário-geral do Partido Comunista Português de 1926 até à sua morte em 1942 ma prisão do Tarrafal. No total são 37 os presos que acabaram por morrer no Tarrafal.
Para lá foram encarcerados dirigentes do PCP, ou da Juventude Comunista, como Francisco Manuel Duarte, Júlio Fogaça, Sérgio Vilarigues, ou apoiantes e lideres dos movimentos independentistas e anticolonialistas como o escritor Angolano Luandino Vieira, preso como consequência da atribuição do prémio Camilo Castelo Branco pela Sociedade Portuguesa de Autores.
O campo prisional foi fundado em 1936 e funcionou até 1954 ininterruptamente albergando muitos dos antifascistas portugueses.
Com o inicio da guerra colonial o campo foi reactivado em 1961 e passou a ser essencialmente destinado a prisioneiros das ex- colónias portuguesas, nomeadamente Angola, Guiné e Cabo Verde. O seu encerramento como prisão ocorreu em 1 de Maio de 1974. Funciono depois como quartel das Forças Armadas Cabo-verdianas.
Actualmente está transformado em Museu da Resistência e o governo de Cabo Verde fez a sua candidatura a Património da Humanidade, prevendo-se que em 2011 ou 2012 isso venha a acontecer.
Do campo ficou conhecido a «Frigideira» exterior ao muro da prisão, constituída por um buraco no chão e uma chapa a cobri-lo e para onde eram enviados os prisioneiros mais resistentes. Imagina-se o sofrimento desses homens que dias e dias aguentavam o sol a bater directamente na chapa e sentiam o seu corpo fritar. A sua localização fora dos muros ainda hoje nos transporta para os gritos que dela devem ter saído.
Conhecida também ficou a «Holandinha», cela contígua à cozinha onde eram colocados os prisioneiros cujo castigo era não serem alimentados. O cheiro da comida no outro lado da parede deverá ter sido tão doloroso que só foi possível aguentar, porque esses homens acreditavam profundamente nas convicções e iam buscar ai a coragem necessária a toda a sua luta.
E, para que o futuro não tenha mais campos de morte é preciso… Não Apagar a Memória.
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«Largo de Alcanizes», opinião de José Manuel Monteiro
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