Esta é uma frase que cada vez se ouve mais, é um sentimento de tantos que se sentem enganados no dia-a-dia. Que seja em França, Portugal ou qualquer outro país, o beneficio e a riqueza de muitos é conseguida através de comportamentos menos escrupulosos, até ao ponto que muitos só são felizes quando conseguem enganar o vizinho, o amigo ou familiar, o sócio ou o patrão. Ninguém escapa à esta situação por via do usucapião e o nosso concelho não é excepção.
Há alguns tempos li um artigo, no qual se dizia que em Portugal, um quinto do território nacional, (20%) não são de ninguém, não têm dono, ou como dizia o artigo, não se conhecem os seus proprietários. Muitas propriedades estão sem dono, porque aquando das herdanças familiares, aquando das partilhas, vendas e compras, tudo era feito apenas por voz.
A palavra dos vendedores e compradores eram suficientemente sérias para não ser preciso qualquer reconhecimento ou acto de escritura (outros tempos). Além disso, nas partilhas e herdanças familiares, porque alguns membros se encontravam já no estrangeiro, a maioria das «transacções» nunca foram oficiadas nem inscritas nos registos oficiais.
Em algumas aldeias, segundo contam algumas «velhas» vozes, existiriam prédios ou casas, que eram construídas pelo povo em benefício de uma ou outra empresa para que esta, aí colocasse algum empregado com as respectivas famílias e ajudasse com isto à aumentar a população que se reduzia dia a dia com a emigração. Tudo era feito oralmente, sem qualquer registo escrito e menos ainda oficial.
Hoje muitos são aqueles que têm inumeros problemas, quando querem comprar um terreno ou uma casa para voltarem às suas aldeias.
Apercebem-se nesse momento, que o terreno ou a casa onde viviam os pais, nunca constou nas escrituras, que os terrenos onde foram construídas casas ou barracões pertencia a tal e tal famílias, mas pouco ou nada mais se sabe e existe. Não há cadastro das propriedades. Em Abril de 2009 o governo anunciou um investimento de 700 milhões, até 2016, para tentar resolver e meter em ordem esta situação.
No nosso concelho (como talvez em outros), é do conhecimento de todos uma prática corrente, levar duas ou três testemunhas frente a um notário, que vão testemunhar em favor do comprador, que este ou aquele terreno, esta ou aquela casa sempre lhe pertenceu e que a herdou, que a comprou ou que lhe foi oferecida e que ocupa os terrenos ou casa há mais de 20 anos pagando as suas prestações e fazendo todos os trabalhos de manutenção, (a lengalenga do costume). Sem dúvida que isto tem «desenrascado» a vida a muito boa gente e têm sido a solução para aquilo que parecia não tê-la, mas não será também este uma método que permite a gentes com menos escrúpulos de se apropriar de algo que não lhes pertence?
Ontem, folheando o jornal deparei com a página das escrituras, na qual se informa, que por escritura de Junho último se certifica que uma empresa (do Sabugal) é proprietária de uma casa em Aldeia do Bispo, por usucapião.
Da mesma maneira que esta empresa não conseguiu ainda provar por qualquer documento o modo de aquisição e que lhe dê direito de propriedade, também eu não conseguirei provar quando digo que essa casa tivesse sido construída pela povoação para que esta empresa aí colocasse os seus empregados.
Mas uma coisa é certa. Esta casa está abandonada há cerca de 20 anos, (há 17 anos concretamente) contrariamente ao publicado no qual se diz que ocupa ininterruptamente desde que a compra foi efectuada pelo ano de 1968. Também consta na publicação desse artigo, que esta empresa sempre fez as obras necessárias de conservação, pagando as contribuições e impostos. Bem se não havia escrituras nem documentos oficiais que provem essa compra, quais são as contribuições ou impostos que se pagam? Obras de conservação? Basta olhar para a casa e verificar o seu estado de degradação e abandono, para confirmar que nada foi feito nos últimos 20 anos. E nos outros 20 se houve alguém que fez trabalhos de conservação não foi sem dúvida alguma essa empresa que os fez ou financiou.
Se tal empresa é confirmada proprietária dessa propriedade, não é pelo usucapião, mas sim por outras artes e manhas, ou pelos testemunhos apresentados, no minímo duvidosos e interessados.
Quando se olha para os textos da lei, do código do registo predial, das justificações e usucapião, e se vêm estas situações, percebe-se que isto, apenas é possível numa sociedade onde a anarquia ganha terreno e como diz o povo, onde quem tem olho é rei, onde meio mundo anda a enganar o outro meio mundo.
:: ::
«Um lagarteiro em Paris», crónica de Paulo Adão
Leave a Reply