«…Mas o melhor do mundo são as crianças» – uma de tantas frases que imortalizou o poeta, ideias tão maravilhosas como esta e que sentimos profundamente. Ai de quem o não sentir!
Se nunca experimentou fazer de criança e brincar com elas, pois faça-o e me dirá da beleza desse encontro com a vida, a alegria, a espontaneidade e a pureza de sentimentos. Quantos Pais perdem estas oportunidades esperando a última hora para as ir buscar ao infantário ou à ama e sempre que podem se livram delas, porque são um empecilho às suas tardes com os amigos, à hora do café onde partilham seus segredos e tudo fazem para não ouvirem suas birras. Depressa crescem e fica a saudade do pouco que se brincou e a pena do que não se experimentou.
Andam por aí os direitos da criança, vistos e remexidos de tantas maneiras e tantas vezes não cumpridos, onde a guerra inclui miúdos amarrados à revolta e o desejo do lucro faz trabalhar crianças presas ao seu silêncio… Tanta coisa, afinal, a contrariar os direitos da criança que eu quero aqui deixar…
OS MEUS DIREITOS DA CRIANÇA
Quero rebolar nas folhas secas
Ouvi-las estalar sobre o meu corpo
Relaxando na frescura do caminho
Brincar na terra molhada
Amassar e fazer bonecos no lodaçal fofo e macio
Das chuvadas do quintal
Esfregar-me no chão e sujar-me todo
Para sentir o macio e o cheiro da terra-mãe
E chapinhar descalço
Como aqueles miúdos que não têm sapatos.
Tenho curiosidade em brincar na floresta
Sentir o cheiro das lenhas
Trepar e esconder-me nos ramos
Ou pendurar-me nas árvores
Ir às hortas à procura dos grilos e lagartixas
Colher amoras e figos
Ouvir o canto dos pássaros
Que se pavoneiam a debicar as alfaces
Descobrir as canções do vento
Os queixumes das searas
E perceber os segredos das abelhas
No seu zumbedouro dentro da colmeia.
Quero provar aquelas folhas tenras ao pé das levadas
E sentir a corrente de água refrescar-me no Verão
Esmigalhar as uvas nos pios
Cheirar a terra molhada no começo do Outono
E ouvir o uivo dos lobos no cimo do monte.
Deixem-me jogar à bola
Com aqueles miúdos escuros que são muito fixes e metem golos
E brincar com os meninos sujos da outra rua
Que jogam aos berlindes nas valetas.
Não me encaixotem nos centros comerciais
Onde tudo é consumismo e poluição
Onde o barulho e a confusão
Se misturam com tanta hipocrisia e futilidade
E nada têm a ver com a paz que eu procuro.
Deixem-me resvalar pelas arribas
E pendurar-me nos pedregulhos
Para ver o Sol nascer brilhante
Ou baixar vermelhão e mágico
A doirar a lua que espreita trocista
Lá por trás do mar
Onde as velas dos barcos
Aparecem devagarinho…
Deixem-me falar sozinha com as minhas bonecas
Inventar palavras que ninguém conhece
E brincar aos médicos com a mana e os primos.
Não me gritem quando não entendo
Repitam muitas vezes o que não percebi
Não me castiguem sem eu perceber porquê
E ralhem-me com aquele sorriso disfarçado…
Não se cansem com os meus porquês que me fazem «grande»
Me abrem os olhos para o difícil, o inexplicável
Deixem-me experimentar coisas perigosas
Que eu ainda nem sei porque mas proíbem
Ou brincar na rua onde os carros não me atropelem.
Sim, deixem-me fazer tudo isto
Se estiverem comigo
A brincar como crianças!
«O Cheiro das Palavras», opinião de Teresa Duarte Reis
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