Sócrates, que toda a vida foi filósofo, para espanto dos seus discípulos e conterrâneos, dedicou-se à poesia, vertendo para verso as fábulas de Esopo, enquanto aguardava para ser executado.
Explicou-lhes Sócrates que muitas e muitas vezes na vida teve um sonho que lhe dizia: Sócrates, compõe música e a executa. Até ao momento da morte estava convencido de ser justamente que fizera a vida toda o que o sonho lhe insinuava e concitava a fazer; a prosseguir na prática habitual, a compor música. E sendo a Filosofia a música mais nobre, a ela se dedicara toda a vida.
Depois do julgamento, questionara-se se essa música não seria, em vez da Filosofia, a espécie popular de música, que é a poesia.
É que, segundo Sócrates, o poeta compõe mitos e não palavras.
Sócrates dizia isto porque para ele a sabedoria consistia em procurar o sentido das coisas. E este só era possível quanto mais o pensamento se abstraísse dos sentidos do corpo, aproximando-se mais da alma.
O mito, sendo uma narrativa de carácter simbólico, explicando a realidade por meio de deuses, semi-deuses e heróis, libertava o pensamento do corpo aproximando-o da alma. Neste sentido, o Sagrado, é o caminho por excelência para atingir o real.
Como percebeu mais tarde Fernando Pessoa, «o mito é o nada que é tudo». E como disse Ramos Rosa, «o poeta moderno não escreve para dizer algo que conhece, mas para dizer o que ignora, para encontrar o verdadeiro desconhecido, o novo, o inicial».
A poesia é portanto a força capaz de transfigurar a realidade do homem. Palavra essencial, a lírica tem o poder de operacionalizar o discurso verbal, de dar sentido à vida e elevar o pensamento do homem.
Por isso é que na poesia «a distância que a linguagem institui em relação ao real, conduz necessariamente ao estabelecimento de uma nova relação com o mundo». (ainda Ramos Rosa).
A esta mesma conclusão chegou Sócrates, quando a sua alma estava prestes a separar-se do seu corpo, portanto mais próximo da verdade, entendendo que linguagem poética era superior à filosófica.
Não é por acaso que a linguagem poética é mais sagrada e portanto mais simples, porque mais próxima da verdade, nos homens que têm mais consciência da morte. Isto dava «pano para mangas» que a brevidade de uma crónica não permite.
Estava a pensar, por exemplo em Pascoais, Antero e outros. Mas não precisamos de ir longe e ficamos já por aqui, pois temos o exemplo entre nós, em Manuel Leal Freire, cujo poema «Prece», recheado de simbolismo e lirismo popular, foi publicado no domingo no «Capeia Arraiana» e pode ser lido… [aqui]
Magnífico, em simplicidade e lirismo! Linguagem poética por excelência!
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«Arroz com Todos», opinião de João Valente
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