Com organização de dois conterrâneos, a localidade raiana dos Fóios, no concelho do Sabugal, vai receber no dia 16 de Maio um convívio que juntará cavaleiros de diversas localidades.
Ler MaisDesde há uns anos que a política portuguesa se traduz numa espécie de novela à brasileira, de desfecho tão imprevisível quanto interminável. A instabilidade é a sua imagem de marca, uma espécie de fatalidade, de destino que nos está reservado enquanto povo. Não há governo que se aguente mais que um mandato e isso reflecte-se nas políticas públicas, as quais, mesmo quando ostentam algum virtuosismo, se vêm condenadas ao fracasso logo que o governo mude. Contra a fraqueza de quem governa, os lobbies corporativos foram, por sua vez, ganhando cada vez mais força, com claro prejuízo dos interesses colectivos de âmbito mais alargado.

O rei D. Carlos passava longos períodos no Paço Ducal de Vila Viçosa, onde ia caçar nas vastas propriedades da Casa de Bragança. A caça era apenas uma das suas paixões, juntando-se ao prazer de viajar, de navegar e explorar o oceano, de pintar e de se bem alimentar.
Miguel Sousa Tavares descreve no início do seu romance «Equador» aspectos da vida de D. Carlos em Vila Viçosa, onde o intrépido Luís Bernardo acorreu, a pedido do rei, para receber o convite de se tornar governador de S. Tomé o Príncipe. O jovem jurista, que mal imaginava as peripécias que a vida lhe traria a partir desse passo, acompanhou o monarca e os seus demais convidados num almoço suculento que se seguiu a uma caçada.
D. Carlos desde logo o advertiu, quando o recebeu nos seus aposentos: «Espero que traga fome da sua viagem porque vai ver que se come muito bem por estas paragens». Isso mesmo pôde constar o herói do romance de Miguel Sousa Tavares, que degustou o «almoço de homens» com que o rei brindou nesse dia os seus convidados.
«Cada lugar tinha um menu colocado à frente e todos fizeram questão de o ler com interesse. D. Carlos era conhecido por dar muita importância àqueles menus e, às vezes até, em Vila Viçosa ou a bordo do iate real Amélia, era o próprio rei que os escrevia do seu punho, fazendo-os acompanhar de um desenho da sua autoria. Naquele dia o chef de Vila Viçosa propunha aos cavalheiros do andar de cima:
Potage de tomates
Oeufs à La Périgueux
Escalopes de foie de veau aux fines herbes
Filet de pore frai, roti
Langue et jambon froid
Epinards au velouté
Petit gateaux de plomb
Servida a sopa de tomate quente e o vinho branco da Vidigueira, os caçadores sacudiram o seu torpor e a conversa começou a animar-se (…).
Com o vinho tinto a conversa tornou-se mais séria e evoluiu para a situação internacional – todo um mundo de promessas. (…)
Com o café, serviu-se um Porto Delaforce de 1848, um e outro excelentes. Depois, D. Carlos levantou-se arrastadamente e toda a troupe o seguiu para o andar de baixo, para uma pequena sala, aquecida por duas lareiras e onde os esperavam uma mesa de cognacs e um caixa de charutos em prata, de que quase todos se foram servindo à vez.»
No romance a ficção tem por enquadramento factos históricos que se sucederam no início do século XX, correspondendo aos últimos anos da Monarquia portuguesa. A República estava anunciada face aos problemas que o rei sucessivamente enfrentava, não apenas em Portugal, como também nas colónias. «Equador» entra pela polémica do trabalho escravo, persistente nas nossas terra de além-mar, mesmo após a abolição da escravatura.
Luís Bernardo, homem culto e sedutor, interessado na questão colonial, viverá, após o banquete real servido em Vila Viçosa uma eloquente aventura em África, onde outros sabores o esperam.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
leitaobatista@gmail.com