O Lince é decididamente um animal enigmático. Tão enigmático que são vários os seus nomes: lobo-cerval, liberne, gato-cerval, gato-cravo ou gato-real. Há até quem o apelide de gato-fantasma ou de nunca-te-vi! Também se lhe atribuem características estranhas como a capacidade de perfurar a rocha com o seu «olhar de lince».
Trepador, territorialista, e dorminhoco como todos os gatos, não precisa de lições de eficiência energética, pois não gasta energias desnecessárias.
Dizem os especialistas que possui uma estratégia K, opção de vida, por sinal, mais difícil do que o comum das espécies. Significa que, ao contrário de outras que investem em termos reprodutivos em proles numerosas (estratégia r), o lince tem como desígnio ter poucas crias. Mesmo quando nascem mais que uma, raramente sobrevivem mais que duas. A sua reprodução em cativeiro tem reflectido essa tendência, registando níveis elevados de mortandade das crias. A comprová-lo ainda recentemente morreu uma das crias das duas que, pela primeira vez, nasceram em Portugal.
Optando geralmente pelo filho único super-protegido pela mãe, assume-se como animal solitário que não tolera amizades, nem vida de casado que não seja por fugazes momentos de satisfação sexual. Passado o cio, fêmea e macho brigam pelo couto de caça até ao ponto de se ferirem mortalmente. Mesmo o acasalamento tem, como nos gatos domésticos, uma aparente conflitualidade.
A sua estratégia comporta ainda outra característica que por razões conhecidas lhe tem dificultado a sobrevivência. Especialista em coelho, do qual se alimenta em mais de 60%, podendo mesmo chegar a 80 ou 90% se este roedor for abundante, caça de salto, na orla das clareiras. É por isso um sprinter, cujo coração lhe impede a maratona de perseguir as presas, como outros incansáveis predadores.
Foi a sua dependência das populações de coelho e a diminuição destas em virtude de doenças (mixomatose e hemorrágica viral) e de outras razões, o factor que mais contribuiu para a situação de ameaça que impende sobre a enigmática espécie. Foi também a alteração dos habitats, o abandono da agricultura e as florestações em áreas contínuas que lhe roubaram o espaço de que precisa para sobreviver: o mosaico de matorral, entremeado de clareiras com pastagem e, sobretudo com coelhos.
Com a redução das populações e sua fragmentação, veio outro problema ao gato-cerval, a consanguinidade e a consequente diminuição de resistência a doenças. Não se estranham por isso as notícias sobre um elevado número de linces a sofrer dos rins, coisa incompreensível para um velocista.
Conhecidas as principais ameaças, impõe-se combatê-las eficazmente, o que nem sempre é tarefa fácil. Melhorar as áreas potenciais para a sua reintrodução, em alimento, ou seja aumentando a população de coelho, parece ser a principal urgência, que em conjunto com a criação de efeitos de orla, redução de riscos de caça e de atropelamentos, pode contribuir para ajudar à sua sobrevivência. Em alguns casos pode ser vantajoso reduzir os competidores ou combater as suas eventuais doenças.
A ciência não conseguiu ainda encontrar uma vacina eficaz para a hemorrágica viral, como o fez para a mixomatose, mas surgiu recentemente uma luzinha de esperança: as populações de coelho de algumas regiões de Valladolid aparentam ser resistentes àquela doença. Podemos estar pois num ponto de viragem, de nova esperança. O programa de reprodução em cativeiro também esteve enguiçado durante mais de uma década e de repente, de forma enigmática a condizer com o bicho, surgiu a fórmula secreta para o reproduzir. Pelos vistos foi só trocar de macho!
:: ::
«Terras do Lince», opinião de António Cabanas
(Vice-Presidente da Câmara Municipal de Penamacor.)
Os bichos só podem ficar doentes e stressados. Aquilo parece mais um campo de concentração. Apre!