Esta crónica vai ser breve e entendida apenas por um punhado de leitores. No entanto corro o risco…
Por caprichos de uma remota doação e heranças, veio-me à posse um bem de insignificante valor material (por isso sempre passou desapercebido), mas de valor simbólico incalculável, porque pertenceu a um cidadão que foi um dos anónimos paladinos da liberdade no Portugal de oitocentos.
Curiosamente, e também por capricho do destino, o referido objecto é por mim usado actualmente na mesma função em que o foi pelo seu original proprietário, o que faço com muita emoção e respeito, porque me lembra que a liberdade e a bondade é o único património de que um homem se pode orgulhar e que se hoje vivemos numa sociedade pelo menos livre nalguns aspectos, isso se deve à pertinácia de gerações de homens de bom carácter, que muitas vezes deram a vida pelo bem-estar e progresso dos outros.
O valor da liberdade nunca pode ceder em circunstância alguma, nem sequer a leis ou a disciplinas partidárias, ou interesses económicos, como infelizmente temos visto nestes tempos. É um dever de respeito para os que já não existem e que lutaram por ela; um pormenor que distingue os homens e as sociedades superiores.
Hoje estes valores, como os outros, são relativizados e desprezados. Por isso não vou pronunciar-me sobre a falta de liberdade de muitos dos nossos políticos e cidadãos, que vendem a sua dignidade à dependência económica dos empregos e cargos públicos. Podia muito bem fazê-lo, mas seriam palavras deitadas ao vento, a que já ninguém liga.
Vou antes deixar aqui o nome de doze homens justos, que em 1829, em pleno liberalismo, morreram pela liberdade e que deram nome ao Largo Mártires da Pátria, na cidade do Porto, para que os seus nomes ilustres façam corar de vergonha esta nossa geração relapsa e materialista:
– Manuel da Fonseca Lobo – natural da cidade de Lagos, tenente-coronel.
– Francisco Silvério de Carvalho Magalhães Serrão, natural de Figueiró dos Vinhos, fiscal.
– Francisco Manoel Gravito da Veiga Lima, natural de Lisboa, desembargador.
– Manuel Luís Nogueira, natural de Baltar, advogado.
– José António de Oliveira Silva de Barros, natural do Porto, guarda-livros.
– Clemente da Silva Mello Soares de Freitas, natural de Angeja, juiz.
– Vitorino Telles Menezes e Vasconcelos, natural de Ceira, tenente-coronel.
– José Maria Martiniano da Fonseca, natural do Funchal, advogado.
– António Bernardo de Brito e Cunha, natural de Vila Viçosa, tesoureiro da fazenda.
– Bernardo Francisco Pinheiro, natural de Feira, capitão.
Destes homens é que se pode afirmar com justiça: «Le roi et le berger égaux après la mort!»
Dos outros que por aí andam, que conhecemos muito bem, por trazerem uma corcunda na alma, de tanto dobrarem a espinha, nem isso!
«Arroz com Todos», opinião de João Valente
joaovalenteadvogado@gmail.com
Não há causa mais justa do que a da liberdade. E os homens de que fala são de honra que não sobeja, hoje em dia.
Mas como de clareza e razão deve ser feito o futuro, nada como aprender sobre o passado, sem palas. Este livro fala do que correu mal depois do liberalismo “Os devoristas: a revolução liberal (1834–1836)”.
João Valente:
Crimes do Trono e do Altar…
O mais interessante é que na véspera da execução um Coronel Inglês visitou freire de Andrade e ofereceu-lha a fuga, o que este recusou.
Há um livro interessante sobre o espólio que deixou: umas cadeiras, mesa, um catre, a farda, a espada, as condecorações e duas ou três mudas da cama. Homem sóbrio e justo!
Permito-me evocar aqui, Gomes Freire de Andrade e os seus 11 companheiros, homens livres e de bons costumes que, em Outubro de 1817, morreram em nome da Liberdade e que deram nome ao Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa. Precusores do Liberalismo e igualmente homens justos.
António Cabral Calheiros Furtado de Lemos
Hemrique José Garcia de Moraes
José Campelo de Miranda
José Joaquim Pinto da Silva
José Ribeiro Pinto
José Francisco das Neves
Manuel Monteiro de Carvalho
Manuel de Jesus Monteiro
Manuel Ignácio de Figueiredo
Máximo Dias Ribeiro
Pedro Ricardo de Figueiró