Os governos portugueses dos últimos anos ganharam o tique de legislar. Para sermos justos, há que dizer que não só os governos mas também a Assembleia da República sofre desse mal. Legisla-se por tudo e por nada, e muitas vezes mal! É difícil encontrar alguma coisa, ou assunto que não seja objecto de regulamentação, de uma lei, de um decreto, de uma portaria ou de um despacho normativo. As próprias autarquias tem também os seus regulamentos, em alguns casos, são mesmo obrigadas pelo governo ou pela Assembleia a fazê-los ou actualizá-los. Já não há margem para o improviso nem para o desenrascanço tão genuinamente português: legisla-se e regulamenta-se tudo.
Claro está que, se as regras servem para controlar os excessos de iniciativa, o excesso de regras limita a própria iniciativa, limita a nossa capacidade criativa, limita a actuação das empresas e dos cidadãos em geral. Por isso a economia queixa-se da falta de flexibilidade, e do excesso de leis que tolhe o investimento.
Com o argumento da preservação do ambiente ou da defesa do consumidor, pelas mais variadas razões económicas, éticas ou sociais, a classe política dirigente está sempre pronta a exercer o poder, legislando.
É caso para se suspeitar dos propósitos de tamanha diarreia legislativa. O que estará por detrás desse compulsivo tique para regulamentar? Será apenas a aselhice de quem não sabe governar de outro modo? Quem ganhará com o tique?
Atrás da legislação vêm sempre papéis, declarações, pareceres, certificações e, naturalmente, no fim da linha, os custos da licença, da aplicação informática, da certificação, da credenciação ou da adaptação à lei. Quando digo papéis, digo formulários, com janelinhas e quadros, indicadores, rácios, dados. O não preenchimento de um quadro, impede o prosseguimento do formulário, mas não há outro remédio, há que colocar tudo como o formulário exige, porque está tudo imbricado. E pronto, ficamos cadastrados na base de dados e na mira dos cruzamentos informáticos!
Uma vez criada a lei, é preciso fazê-la cumprir. Aparentemente, o estado tornou-se eficiente, e são poucos os que conseguem fugir às suas teias, ou da fiscalização, dos inspectores e da burocracia, como acontecia outrora. Menos ainda da teia das finanças!
Que o estado legislava demais, já todos o tínhamos sentido na pele, empresas, particulares, condutores, enfim, contribuintes.
Agora que o estado viesse, pela boca de uma assessora do governo, admitir que legisla mal, ninguém estava à espera! Temos que aplaudir tanta frontalidade em assumir o erro. E que erro! 7 mil milhões de euros é quanto custam ao país as más leis. Quem o diz é a jurista de Sócrates, Susana Brito.
E logo outros experts vieram dizer que o valor até estava subestimado. E logo outros acrescentaram: é o resultado de se encomendarem as leis aos gabinetes de advogados! Encontrado afinal o bode expiatório! A culpa não é dos políticos, mas sim dos advogados!
Então já não há na assembleia e na administração pública quem saiba fazer leis!? Entendem-se assim as palavras de Marinho Pinho: «As leis são boas a justiça é que não presta!» É preciso defender as leis e a classe que afinal faz as leis, preferencialmente na justiça, com bons advogados, claro! Mas a culpa não pode ser dos advogados que, naturalmente, defendem a sua classe: mesmo que se encomendem, as leis deviam ser verificadas antes de publicar.
Ainda se lembram da «Lei dos Poços», de Maio de 2007, com coimas de 25.000 euros para os particulares e 60.000 para empresas? Vá lá que vieram as eleições no exacto momento em que devia entrar em vigor a parte mais dolorosa! Ao primeiro burburinho, deu-se logo marcha-atrás, e ainda bem que houve bom senso. O problema está nos anos em que não há eleições!
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«Terras do Lince», opinião de António Cabanas
(Vice-Presidente da Câmara Municipal de Penamacor.)
Na Dinamarca, eco-bairros e eco-aldeias como Hjortshøj, estão a multiplicar-se como cogumelos.
http://www.arte.tv/fr/content/tv/02__Universes/U1__Comprendre__le__monde/02-Magazines/10__ARTE_20Journal/09_20archives/01_20Info/2009.12.04__danemark/danemark/3019024.html#0
António Cabanas:
A tarefa principal do Estado presentemente, é disciplinar o cidadão. Por isso, há cada vez mais leis e menos liberdade, mais proibições, mais maneiras de controlar e, ameaças. O cidadão passou a ser uma espécie de ” homem administrado “, isto é, recebe e executa as leis, pacificamente.
E quando há problemas, e as coisas correm mal, a culpa não é da má gestão dos governantes, mas sim da rebeldia e má vontade dos cidadãos. Cada vez a Democracia é mais impositiva e autoritária.
Pessoalmente, sinto que nos estamos a aproximar do que Orwell nos diz na sua obra 1984. Pelo menos na direcção vamos.
E não contente com isso, pediu à Igreja Católica uma ajuda, e ela veio através de um livro para crianças, onde aconselham a respeitar o Estado e as suas leis. Sou funcionário do Estado, mas como vejo este a fastar-se da sua missão não me calo. Quero-o laico, com valores republicanos, os da primeira republica, respeitador e defensor dos cidadãos.
Peço desculpa pela extensão do comentário, mas é uma citação de um texto de David Henry thoreau sobre filosofia de direito e que penso, “mutatis mutantis”, sendo para os Estados Unidos, também vem a propósito para o nosso país:
«Ainda não surgiu um homem dotado de génio para legislar no nosso país. Homens assim são raros na história mundial. Oradores, políticos e homens eloquentes existemaos milhares; mas ainda estamos por ouvir a voz do orador capaz de solucionar as complexas questões do dia-a-dia. Amamos a eloquência pelos seus méritos próprios, e não pela sua capacidade de pronunciar uma verdade qualquer, nem pela possibilidade de inspirar algum heroísmo. Os nossos legisladores ainda não aprenderam a distinguir o valor relativo do livre-comércio frente à liberdade, à união e à rectidão. Eles não têm génio ou talento nem para as questões relativamente simplórias dos impostos,
das finanças, do comércio e da indústria, da agricultura. A América do Norte não conseguiria manter por muito tempo a sua posição entre as nações se fôssemos abandonados à esperteza palavrosa dos congressistas; felizmente contamos com a experiência madura e com os protestos efectivos do nosso povo. Talvez não tenha o direito de afirmar isto, mas o Novo Testamento foi escrito há mil e oitocentos anos; no entanto onde encontrar o legislador suficientemente sábio e prático para se aproveitar de tudo o que esse texto ensina sobre a ciência da legislação?
A autoridade do governo, mesmo do governo ao qual estou disposto a me submeter – pois obedecerei com satisfação aos que saibam e façam melhor do que eu e, sob certos aspectos, obedecerei até aos que não saibam nem façam as coisas tão bem -, é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com o consentimento dos governados. Ele não pode ter sobre a minha pessoa e meus bens qualquer direito puro além do que eu lhe concedo. O progresso de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional, e desta para uma democracia, é um progresso no sentido do verdadeiro respeito pelo indivíduo. Será que a democracia tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de construir governos?
Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente – do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade – e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente. Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho para um Estado ainda mais perfeito e glorioso; já fiquei a imaginar um Estado desses, mas nunca o encontrei em qualquer lugar». In Desobediência Civil
Esse tique de legislar poderá ser facilmente corrigido naquilo que ele tem de adverso, bastará para isso nova legislação que o corrija. Quanto ao incumprimento da lei, o mesmo processo simples pode ser aplicado.
Sim, porque quem o faz vive num mundo idílico de teorias e argumentações lógicas, que servem antes de mais para apaziguar e lubrificar uma máquina que teve o seu tempo, que os perpetua no poder, mas que estão definitivamente afastadas das pessoas. São ciclos é certo, movimentos ondulatórios de afastamento e aproximação. Neste momento o afastamento atingiu a sua extensão máxima suportável antes da consciencialização global fazer o homem voltar novamente ao centro. Já temos sinais disso, mas neste mundo global temos também os sinais contrários, porque neste mundo onde todas as coisas e contrários existem, todas as possibilidades são …