Não sei há quantos séculos a cristandade festeja o Natal, o nascimento de Cristo. O Cristo feito homem. O filho de Deus enviado à Terra.
A ideia de liberdade nasce com o cristianismo, porque este sustenta que o homem é livre, moralmente livre para escolher o bem e o mal, e também foi o primeiro a estabelecer o princípio de igualdade universal de todos os homens aos olhos de Deus. O problema surge quando o cristianismo diz que não defende a realização da liberdade humana na Terra, mas sim no Reino do Céu. «O meu reino não é deste Mundo», terá dito Cristo quando Pilatos lhe perguntou se ele era o rei dos judeus.
Certos filósofos, não crentes, agarrando nestas palavras de Cristo, dizem que esse conceito de liberdade contido no cristianismo, liberdade humana, não na Terra, não nesta vida, acabou por reconciliar todos os pobres, os servos, os escravos, e os explorados deste Mundo, com a sua falta de liberdade. Os mesmos filósofos dizem que não foi Deus que criou o homem, mas sim o homem que criou Deus, como uma projecção da sua ideia de liberdade. E que os cristãos não têm consciência desse pormenor.
Seja como for, querido leitor(a), se fossemos discutir isto aqui no Blogue, necessitávamos de mais dois mil anos, e o José Carlos Lages e o Paulo Leitão, não estão dispostos a aturar-nos tanto tempo. O mais interessante é que não chegávamos a conclusão nenhuma. Tudo se resume à Fé.
Eu, pessoalmente, não acredito no Deus mau, severo, e vingativo que me mostraram na minha infância, castigava e condenava, em vez de libertar. Não acredito no Deus que manda massacrar povos, para os converter à sua palavra. Não acredito no Deus da Inquisição. Não acredito num Deus que condena a acumulação infinita de bens pessoais, e premeia os que o fazem, alguns até são seus eleitos. Não acredito naquele Deus que dá votos aos pequenos políticos que lhos vão pedir durante as campanhas eleitorais, diante de toda a gente, numa qualquer igreja… Não acredito no Deus que nos deu a razão crítica, e depois nos obriga a obedecer cegamente.
Creio no Deus Libertador. O Deus da Teologia da Libertação.
O que torna a pessoa mais feliz, é empenhar-se a favor da felicidade alheia, mas este empenho pode ser uma relação íntima com outro ser humano, ou num compromisso social. Os dois são válidos. Uma história escrita por Frei Betto, própria desta quadra natalícia, ilustra o que digo.
O padre João, depois da Missa do Galo, meteu um bolo e uma garrafa de vinho, na pasta onde levava os sacramentos para os doentes. Foi até uma zona de prostituição. Uma prostituta abeirou-se dele e convidou-o para o quarto. Ele foi, lá dentro, ela começou a desapertar a blusa, o padre João pediu-lhe para não fazer isso, não procurava sexo, mas sim companhia, pagaria no entanto o que tinha sido combinado. Falou à mulher da solidão dele, não tinha família, não tinha mulher, não tinha filhos, a hierarquia religiosa assim obrigava, ao celibato, ela falou-lhe da dela, da vida degradante que levava. O padre perguntou-lhe se estaria disposta a rezar com ele e a compartir do bolo e do vinho que levava. A mulher começou a chorar, um choro de alívio, gratidão e alegria. Alguém a tratava com dignidade, alguém a tratava como mulher. O padre João abriu o Evangelho de S. Lucas e leu-lhe o relato do nascimento de Cristo. Perguntou-lhe depois se queria receber a Eucaristia. A prostituta sentiu-se mal – Como? Ela, uma puta, podia receber a hóstia sem se ter confessado? O padre leu-lhe mais um texto, desta vez o de Mateus -21-28 «…as prostitutas hão-de entrar primeiro que vocês no reino de Deus». Conversaram animadamente das suas vidas até ao nascer do dia.
Querido leitor(a) é preciso fazer alarde perante a sociedade que se pratica o bem? Como o padre João, felizmente há milhares de seres humanos.
Um bom Natal espiritual para vós, queridos leitores(as). E também para vós, administradores do Capeia Arraiana.
«Passeio pelo Côa», opinião de António Emídio
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