Estreou há pouco entre nós mais um dos habituais «filmes-catástrofes» de Hollywood, desta vez baseado numa «profecia» da antiga civilização maia, que anunciava o «fim-do-mundo» para 2012. Sobre o filme propriamente dito já escreveu neste mesmo blogue Pedro M. Fernandes. Sobre datas, profetas e profecias, façamos mais alguns comentários.
No século X, com a aproximação do Ano 1000, generalizou-se a certeza do fim do Mundo. Uma passagem do Apocalipse de São João profetizava: «Quando os mil anos tiverem passado, Satanás será solto…»
Porém, ultrapassado o Milénio sem que o Mundo tivesse acabado, a data foi transferida para 1033. Afinal, os mil anos não se deviam contar a partir da «fecunda encarnação do Filho de Deus» mas sim a partir da sua morte, o ano da Redenção. Todavia, o ano de 1033 passou, Satanás não saiu da prisão e o Mundo não acabou.
Na verdade, no século XI era impossível o Mundo acabar sem ser por vontade de «Quem» o criara. Infelizmente, nos nossos dias, o Mundo pode de facto acabar a qualquer momento, por decisão do Homem. O potencial nuclear e termonuclear existente pode destruí-lo instantaneamente, reduzindo-o a cinzas. E aí, a passagem do Apocalipse que mais se apropria é aquela que diz: «Ide e derramai sobre a Terra as sete taças da ira de Deus. (…) O quarto anjo derramou a sua taça sobre o Sol e foi-lhe permitido queimar os homens com fogo; e os homens foram abrasados por um grande calor (…)»
E, de novo, ao aproximar-se o número redondo de 2000, regressaram os terrores milenares. A proximidade de datas simbólicas tem sempre originado interpretações mais ou menos esotéricas. Interpretações que quase sempre foram corrigindo as imprecisões anteriores. Como se tudo não passasse afinal de meras convenções humanas – datas, horas, dias, meses, anos, séculos, milénios.
Afinal, a era cristã começou há 2009 anos? Não, porque, tal como já anteriormente comentámos, os cálculos do monge bizantino Dionísio, o Exíguo, sobre a data do nascimento de Cristo, estão errados. Cristo nasceu em 4 a 6 antes de Cristo. Donde resulta que, neste preciso momento, estamos no ano 2013, 2014 ou 2015 da «encarnação do Filho de Deus». E (alegremo-nos!) o Mundo não acabou!
Meus senhores: escolham outra data para o «fim do Mundo». Talvez 2033 (que, afinal, equivalerá a 2037, 2038 ou 2039!) Ou será 2666 (o satânico «número da Besta»)? Olhem, amigos leitores, quanto a mim, racionalista e positivista empedernido, a realidade é bem mais pragmática: para um aluno meu, o fim do Mundo foi ontem – morreu num acidente de mota.
Os grandes problemas que hoje se colocam à humanidade, no começo do milénio, não são de molde a aterrorizarem-nos mas também não podemos dormir tranquilos. Não por causa do ano 2012, mas por causa daquilo que nós fizemos deste mundo, o único que temos para viver. Nada nasce do nada: o século XXI será filho do século XX. E que fez a humanidade no século XX? Coisas prodigiosas: passou a voar nos céus, a mergulhar nas profundidades oceânicas, a caminhar na Lua, a deslocar-se mais depressa que o som, a comunicar instantaneamente com o outro lado do Globo, a dispor de computadores fabulosamente rápidos e «inteligentes», a controlar doenças que, durante milhares de anos, afligiram o homem, a possuir instituições políticas e sociais mais justas e mais controláveis. Mas também originou o reverso da medalha: desencadeou duas devastadoras guerras mundiais, com 70 milhões de mortos; executou genocídios e etnocídios que vitimaram outros tantos seres humanos; acelerou a exploração desenfreada dos recursos naturais e o seu desperdício numa sociedade consumista selvagem; provocou a destruição (talvez irreversível) do meio ambiente; triplicou a população mundial (e, infelizmente, triplicou também a pobreza em vastas regiões da Terra); suscitou o aparecimento e a disseminação de novas doenças; exacerbou os fundamentalismos religiosos; pôs em causa valores seculares, nos quais se alicerçavam as sociedades ocidentais…
No limiar do Terceiro Milénio, postos os terrores debaixo da cama, cabe agora perguntar: assistimos ao crepúsculo de uma civilização e ao dealbar de outra melhor?; este século será o do Apocalipse ou o de uma nova Idade de Ouro?; o Mundo aprendeu com os erros do século XX ou apenas irá multiplicá-los e ampliá-los?
Felizmente, aquilo que ficou no fundo da caixa de Pandora é suficiente para nos fazer acreditar que a resposta a estas questões é francamente positiva. Como dizia Carl Sagan, os melhores e mais gloriosos tempos da Humanidade ainda estão para vir.
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«Na Raia da Memória», crónica de Adérito Tavares
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Dezembro de 2009.)
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O mito reza que ficou na caixa a esperança… Pode ser que ainda haja remissão para a humanidade; quem sabe?!